Universidade Federal do Paraná – Setor de Educação – Edifício D. Pedro I – Sala Homero de Barros.
Com uma mesa redonda que contou com a presença das professoras Nora Rut Krawczyk e Sandra Garcia; e o lançamento dos livros “Ensino Médio Integrado – Travessias”, organizado por Monica Ribeiro; e “Sociologia do Ensino Médio – Crítica ao economicismo na política educacional”, organizado por Nora Krawczyk, foi realizado no último dia 05 de maio evento comemorativo dos 4 anos do Observatório do Ensino Médio da UFPR.
O Observatório do Ensino Médio da Universidade Federal do Paraná é vinculado a Capes desde 2010, e tem como principal objetivo reunir estudantes, educadores e pesquisadores dos diversos níveis e modalidades de ensino que tenham interesse em compartilhar ideias, temas e pesquisas sobre ensino médio, juventude, suas relações com a escola e com o mundo do trabalho. Desenvolve também atividades de pesquisa e de extensão universitária.
Monica Ribeiro: É uma honra comemorar os quatro anos do Observatório desta forma, com duas pessoas muito queridas, Nora, que eu chamo para a mesa, e Sandra, que aceitaram estar com a gente nesta comemoração. Já vou apresentá-las, mas quero dizer que estou feliz por poder comemorar desta maneira, e acho que o nosso grupo todo faz coro com isso, ouvindo duas pessoas que tratam justamente daquilo que nos interessa, que é o Ensino Médio, essa relação da escola com os jovens, as políticas para o Ensino Médio no nosso Brasil e as análises feitas dessas políticas. Eu acho que é uma forma interessante da gente marcar aquilo que de fato nos unifica enquanto grupo de pesquisa, mas, também de convidar outras pessoas para conhecerem um pouco do nosso trabalho.
A temática da mesa é “A pesquisa e as políticas para o Ensino Médio no Brasil na atualidade”. Nós teremos uma fala de uns 30 minutos com a professora Nora e com a professora Sandra, e na sequencia a gente abre pra um debate. Eu pedi para imprimirem e vou fazer, brevemente, a apresentação das duas professoras que são nossas convidadas de hoje.
A professora Sandra Regina de Oliveira Garcia possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Londrina, mestrado em Educação pela Universidade Federal Fluminense e Doutorado em Educação pela UFPR. É professora adjunta da UEL na Área de Políticas Educacionais. De 2003 a 2010 foi chefe do Departamento de Educação e Trabalho na SEED Paraná e exerce a função de coordenadora geral do Ensino Médio no Ministério de Educação. Tem atuação principalmente nos seguintes temas: Ensino Médio: Educação e Trabalho, Educação Profissional, e Ensino Médio Integrado à Educação Profissional.
A professora Nora Rut Krawczyk possui graduação em Ciência da Educação na Argentina, mestrado em Estado, Educação e Sociedade na Facultad Latinoamericana en Ciencias Sociales (FLACSO), e Doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é professora doutora da Faculdade de Educação – Unicamp e membro do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas e Educação. Possui Bolsa Produtividade CNPq e coordena um Projeto no Programa de Centros Associados Brasil – Argentina (CAPES). Foi professora homenageada pelos formandos do Período Noturno em 2014 da Unicamp. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Política Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: Política Educacional, América Latina, Gestão da Educação e Ensino Médio.
Hoje a tarde nós tivemos uma defesa, de uma pessoa aqui do Observatório, a Vanessa. Naquele momento nós começamos pela Nora e a Sandra falou na sequência. Agora à noite eu vou inverter, a Sandra começa e na sequência a Nora faz a sua exposição. Depois disso a gente abre para as questões que vocês acharem pertinente colocar.
Sandra Garcia: Nós vamos ter aqui também o lançamento dos livros sobre o Ensino Médio. Isso é bastante importante porque hoje, como o título que a Monica colocou é “A pesquisa e as políticas para o Ensino Médio no Brasil”, nós sabemos que as pesquisas em relação ao Ensino Médio no Brasil são poucas, acho que são poucos os professores das Universidades que vem discutindo o Ensino Médio. Eu falo que estou num processo de quarentena, porque eu estava como gestora no Ministério de Educação e estava fiscalizando o Ensino Médio no Brasil. Portanto, eu trabalhava no sentido de algumas ações, na articulação de ações para superação dos principais problemas que ocorrem no Ensino Médio.
Eu acho que o diagnóstico inicial e que a gente não pode deixar de fiscalizar é que há um grande crescimento em relação às matrículas no Ensino Médio brasileiro. Se há 20 anos nós tínhamos em torno de 3 milhões de jovens no Ensino Médio, hoje nós temos 8 milhões. Chegamos a ter 9 milhões de jovens, não só jovens, e também adultos matriculados no Ensino Médio. E, depois dos 9 milhões isso vem decaindo, há um decréscimo em relação às matrículas. Fica em torno de 8 milhões mas, ano a ano tem um decréscimo de 30 mil, 20 mil alunos. Isso é uma questão bastante importante que nós, pesquisadores temos que estar observando, entendendo qual é o movimento que está acontecendo, porque nós estamos no mesmo momento dessa grande expansão dos anos 90 e todo esse crescimento, há também a perspectiva de universalização do Ensino Médio, a Emenda 59 da Constituição ela prevê, coloca essa visão de que até 2016 nós teríamos que ter universalizado o Ensino Médio. Isso não é uma realidade, não vai acontecer. Como no Plano Nacional de Educação também, o último plano, também já contava com a questão da universalização e o Brasil não fez o movimento retilíneo para que isso pudesse ocorrer. Lógico que esse número expressivo de jovens e a todos que estão no Ensino Médio, ele vem por uma política anterior que foi a criação da FUNDEF e a universalização da educação no Ensino Fundamental, e isso impulsionou a população a buscar o Ensino Médio, é um dos motivos, a gente pode colocar como um dos motivos. Mas nós não nos preparamos para atender a juventude que está aqui. Então a gente continua com o mesmo Ensino Médio do qual muito de nós passamos e continuamos enfrentando, esse Ensino Médio para todos os jovens e também adultos que estão nessa etapa da Educação Básica.
Nós temos em torno de 10 milhões, não chega a 11 milhões os jovens de 15 a 17 anos no país. Dos 8 milhões que estão na Escola no Ensino Médio, até 5 milhões são jovens de 15 a 17 anos. Significa que quase 50% dos jovens nessa idade que deveriam estar no Ensino Médio, não estão, ou eles estão ainda retidos no Ensino Fundamental. São quase 4 milhões de jovens da idade de 15 a 17 anos no Ensino Fundamental e em torno de 1 milhão de jovens estão fora da escola. E aí há uma discordância entre o (PNAD) e o próprio senso, porque o Ministério tinha utilizado o senso. Então é um quadro ainda muito desafiador, uma elaboração de políticas pro Ensino Médio Brasileiro. Conseguir a universalização e agora o PNE, não acompanhei esses últimos dias, mas ela ainda não foi votado, né? Ele também prevê a universalização do Ensino Médio, colocando nas metas que até 2016, 85% da população, das matrículas líquidas, dos jovens deverão estar no Ensino Médio. Mas é ainda um objetivo bastante desafiador no sentido de que poucas coisas foram realizadas para que isso tivesse efetividade.
Então eu acho que a principal questão é: temos que aprovar uma Emenda Constitucional que proponha a universalização, coloque isso a primeira vez como a perspectiva, alguns ainda alertam que na verdade na Constituição, a mudança, ela é da idade e não da etapa, ela muda a idade, por isso a gente entende que o Ensino Médio deveria ser universalizado até os 17 anos. Mas não significa realmente que seja a etapa do Ensino Médio, no entendimento de todos nós é que seja dessa forma. Acho que esse é o grande desafio que nós temos, universalizar, universalizar fazendo com que o aluno permaneça. Primeiro que ele tenha o acesso realmente, que ele permaneça e que ele tenha incentivo à aprendizagem.
Os desafios realmente são esses 3 milhões e 900 mil jovens que estão no Ensino Fundamental, e que nós temos aí mais uma vez colocado. Hoje a gente discutiu um pouco isso, em relação também à questão das propostas que o setor privado vem apresentando à sociedade em relação ao Ensino Médio e em relação ao Ensino Fundamental, os alunos que estão no Ensino Fundamental.
Novamente vem em cena com bastante ênfase o projeto do Roberto Marinho, projeto de educação, de escolaridade, de correção de fluxos, aceleração, então é o Ayrton Senna né, combina daí com ele, o acelerar. Hoje nós temos acho que três estados do país que fizeram uma parceria com a Fundação Roberto Marinho e que vão fazer novamente os programas de correção de fluxo e de aceleração. E isso é muito grave, porque nós (é, Ensino Fundamental, pra que ele chegue ao Ensino Médio), isso é grave né, essa nova investida, que o setor privado, que o setor dos empresários vem fazendo em relação ao Ensino Médio. Eu falo que o Ensino Médio hoje é o que está dando mais visibilidade, por conta da Emenda, por conta das questões da universalização, por conta também dos grandes índices de abandono e de reprovação, que são altos os índices de abandono e de reprovação, alguns estados chegam somando entre abandono e reprovação quase 30% dos jovens e dos adultos. Então isso é um cenário muito grave, a busca pela universalização, os jovens estão chegando mais no Ensino Médio e o Ensino Médio continua não dialogando com a juventude.
E temos também a questão de como é que esses alunos vão chegar no Ensino Médio, porque com esses processos que eles vem encaminhando eles não vão trazer realmente um acúmulo no processo formativo que possibilite que eles tenham o Ensino Médio da forma como todos nós queremos que o jovem chegue ao Ensino Médio.
Ao mesmo tempo nós temos uma avaliação externa, no caso a avaliação do Ensino Médio, o ENEM, que serve para ter multifunções, ele serve pra entrar numa Universidade, ele serve pra certificar também os adultos com mais de 18 anos em relação ao Ensino Médio, e ele tem sido olhado nos últimos anos, principalmente nos últimos dois anos, como uma avaliação do Ensino Médio. Vem a cada dia sendo mais utilizado como uma avaliação do Ensino Médio, apesar de não ser o objetivo dele avaliar o Ensino Médio. E toda a culpa de todo o fracasso dessa estruturação da educação no Brasil ainda recai no Ensino Médio, como se o Ensino Médio fosse o problema. É todo o processo formativo desses jovens, desses adultos. Porque não são apenas os 3 anos do Ensino Médio, é um processo que iniciou nos anos iniciais do Ensino Fundamental, e que ele finaliza a Educação Básica no Ensino Médio. Então, eu acho que essa é uma questão que a gente também tem que olhar, que é preocupante, tem que estar observando e vendo que caminho está realmente tomando. O ENEM é um mecanismo de avaliação e que traz algumas informações, mas elas não trazem todas essas informações necessárias de quais são as condições, ele é uma avaliação individual e esse é um fator. Então a validação externa é um ponto que está colocado hoje na política educacional pra todo o Brasil, além das avaliações que são feitas pelos estados e os municípios também. É um grande mercado de avaliação no país, é um mercado mesmo, é a essência mesmo dessa palavra, é uma disputa inclusive em relação a essas avaliações nos estados. E isso eu acho que também é um olhar que a gente tem que ter, qual é o sentido da avaliação externa.
Ao mesmo tempo nós temos novas Diretrizes Curriculares na Educação do Ensino Médio que foram sendo elaboradas, ela não nasceu do nada, eu particularmente acho que essa intencionalidade da política, das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio nasce naquele cenário de como ela estava em Brasília em 2003. Vários pesquisadores do Ensino Médio participaram do Seminário e foi lançado um livro que se chamava “Ensino Médio Integral”, organizava, e de lá desencadeou um processo de discussão que já esteve na LDB, a discussão de 88 da LDB, mas é retomada nesse momento do governo Lula; A professora Marise Ramos era a diretora do Ensino Médio no Ministério da Educação e lá inicia a discussão das dimensões, dessa perspectiva na qual nós trabalhamos, do Trabalho, da Ciência, da Tecnologia e da Cultura.
Então, todo o processo de amadurecimento em relação a isso durante esses anos acontece com muitas idas e vindas também internamente lá no Ministério da Educação e culmina também em 2012 com a aprovação das novas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio. E tem contradições. O próprio ENEM é uma delas, se fala de todas as questões de avaliação e depois você faz uma avaliação externa, e essa avaliação externa, ela passa a ser a verdade. A avaliação externa é importante? Ela é importante, mas ela não pode dizer qual é o currículo da escola, e nós temos uma avaliação externa hoje que está dizendo qual é o currículo da escola!
As Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio colocam que o Ministério da Educação tem a responsabilidade de coordenar o processo de elaboração das expectativas de aprendizagem para a Educação Básica como um todo. E essa expectativa de aprendizagem, o que se espera do aluno, de qual expectativa que tem de aprendizagem desse aluno, nós enquanto estivemos lá fizemos um movimento de mudar, tentar inverter isso, do que se espera que o aluno aprenda, mas qual o direito que ele tem da aprendizagem, essa discussão ela existe. Existe no Ministério da Educação, com participação de Universidades, e a intenção é construir um documento desencadeador, para discussão de todos os espaços, chegando ao interior da escola, para discussão dos direitos de aprendizagem e o desenvolvimento do que seria a base nacional para o novo currículo.
E agora o que é que não é? A base nacional do novo currículo, ela não pode ser um currículo mútuo para o Brasil como um todo. Essa discussão nós já superamos, nossa parte, nem todos, porque hoje há um documento também, que a gente pode dar nome aos bois, existe um documento chamado “Todos pela Educação” que congrega vários empresários dessas áreas no país e também de educadores, não podemos negar que existem educadores que fizeram o “Todos pela Educação”, e que disputa uma posição em relação a isso, que é a posição de ter um currículo único em todo o país, ano a ano, série a série, e isso aparece no Plano Nacional de Educação. Lá no PNE eles mudaram de expectativa para direito, mas continuaram com a mesma concepção, que se espera do aluno, direitos e objetivos de aprendizagem sendo requeridos ano a ano da Educação Infantil ao Ensino Médio. Isso está presente no próprio PL do Ensino Médio, de alguma forma. Um movimento de criar um currículo único no país, então todos os alunos que estão no primeiro ano do Ensino Fundamental vão aprender tais conteúdos. O que nós que fizemos parte do Ministério defendíamos, e está nesse documento inicial que deve ir pra discussão. é de que o conteúdo seja de responsabilidade da escola. Não é o Ministério e nem a Secretaria de Educação que vai definir quais são os conteúdos. A gente tem que definir que conhecimentos são necessários para a formação desse sujeito em sua formação humana e integral, mas que conteúdos são esses, quem define é a escola.
Agora isso tem, hoje a Nora vai falar do consenso, isso não é um consenso, não é consenso no interior da escola, porque se formos longe, fazer uma pesquisa nas escolas com professores, uma grande parcela dos professores aprova que tenha um currículo ano a ano e que esteja muito claro e definido pra que ele possa desenvolver o seu trabalho com certa tranquilidade no que será cobrado nas avaliações desses alunos.
Então, eu acho também que esse é um dos motivos da reunião que nós temos. A busca desse consenso, ela é muito difícil, mas ela é necessária, essa discussão é necessária. Eu não sei como é que o Ministério vai encaminhar essa discussão agora, eu acho que está previsto é que essa discussão passasse pelas entidades que iniciaram essa discussão e que depois colocasse a público para todos. Para que as escolas e professores pudessem discutir e contribuir e que não fosse um documento apenas construído por especialistas e que fosse daí enviado ao Conselho Nacional de Educação e o Conselho Nacional fizesse algumas audiências públicas, que nós conhecemos como se dão as audiências públicas, e que isso fosse chamado de elaboração, de construção democrática. Eu acho que isso não virá nesses próximos meses por conta da eleição, mas logo depois da eleição isso deve ser colocado a público porque é uma necessidade do país de ter uma unidade nacional de currículo, que não significa currículo mútuo, e significa conteúdos nacionais ou uma coisa nesse sentido, mas é o desafio que nós temos também, porque muitos de nós ainda, e o próprio Ministério da Educação fala em parâmetros curriculares, e a discussão que a gente teve com o Conselho Nacional no entendimento também de uma parcela de nós, é que os parâmetros não tem mais validade, portanto não são referências, agora o que que é a referencia para essa educação no país? É necessário realmente tê-la. Então eu acho que temos que trabalhar nessa perspectiva também.
Outro desafio que as próprias Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio colocam é a questão de formação de professores. Hoje mesmo o Ministério tem um Pacto Nacional pelo Ensino Médio, pelo fortalecimento, e uma dessas ações é a formação continuada de professores, o chão da escola, como o primeiro a criar que dialogue com as Diretrizes Curriculares, que faz um diálogo com o professor, para estar em relação às Diretrizes Curriculares.
Mas nós, professores de universidade, eu posso falar isso porque eu sou professora de universidade também, pouco temos na licenciatura essa discussão, não só do Ensino Médio, mas também do Ensino Fundamental, e muito menos ainda das modalidades. Seja no Ensino Médio ou no Fundamental, nós temos as modalidades de campo, a indígena, quilombola, a educação de jovens e adultos e outras. Os nossos professores continuam chegando na escola sem ter essa compreensão do que que eles vão encontrar realmente. “Que sujeitos são esses que estão na escola?”. Então aí está a necessidade da formação continuada. São vários fatores que apontam que estão emergindo nesse sentido de quais são as necessidades para que a gente possa justamente avançar no processo de universalização do Ensino Médio, mas de uma universalização que seja acompanhada dessa permanência. Nas condições que nós sabemos o que é permanência, e para que realmente tenha a efetiva aprendizagem. Não é só universalizar, é criar espaço, não é só universalizar, é criar as condições pra que esses jovens realmente cheguem ao Ensino Médio e que tenham a possibilidade de uma formação humana integral.
Existem hoje vários projetos que discutem em relação ao Ensino Médio, a gente pode citar alguns aqui rapidamente: nós temos o Todos pela Educação, nós temos a UNESCO que tem dois protótipos de Ensino Médio, nós temos o Instituto UNIBANCO que tem uma proposta de formação de gestores de Ensino Médio, não propriamente no currículo, mas que aponta também a formação de professores e ações a partir dos grandes seminários que eles realizaram, e daí eles viram que o problema está no Ensino Médio. Então, vamos salvar a humanidade resolvendo os problemas do Ensino Médio. O Instituto Ayrton Senna, que antes trabalhava muito mais com a alfabetização, ele entra no Ensino Médio. No Rio de Janeiro eles estão em um processo que eles chamam de laboratório, numa escola chamada Chico Anísio, uma escola nova no Rio de Janeiro. Então, tem muitos movimentos em relação ao Ensino Médio da iniciativa privada. As Secretarias de Estado da Educação estão experimentando vários Ensinos Médios, nós temos estados no país que tem protótipo da UNESCO, que tem a ação do Instituto UNIBANCO e tem a ação de uma outra instituição empresarial que eu não me lembro o nome agora, mas que trabalha com o Ensino Médio em tempo integral, tem o Ensino Médio Inovador, e as outras escolas.
Então eles repartiram as escolas em estados com vários projetos diferentes para ver qual é findável. É mais ou menos isso que eles pensam. E não é só no Ceará, nós temos Goiás, recentemente nós vimos na televisão que eles passaram algumas escolas de Polícia Militar, os alunos usando farda, os alunos que não cumprem o ordenamento deles, esses alunos são tirados da escola, são convidados a se retirar. Nós temos em Minas Gerais, Reinventando o Ensino Médio, uma proposta da Secretaria da Educação que trabalha com a profissionalização. Então criaram algumas áreas profissionalizantes e daí integraram não com o curso técnico, mas com uma aproximação do mercado de trabalho. Nós temos no Rio Grande do Sul, o Ensino Médio Politécnico, que tem uma concepção bem estruturada, mas que foca as condições também pra que isso possa se materializar. Acho que os dois estados que tem propostas deles mesmos, elaboradas pelas secretarias é o estado do Rio Grande do Sul e o estado de Minas Gerais, os outros estados estão experimentando Ensino Médio, buscando iniciativa privada, buscando esses grandes grupos corporativos, que vem apresentando propostas pro Ensino Médio Brasileiro.
E ao mesmo tempo, para finalizar, nós temos um PL no Congresso Nacional que diz que vai reformar o Ensino Médio. Significa uma mudança radical na LDB. Se nós formos pegar a LDB original, eu acho que muitas das coisas nós mesmos ajudamos a modificar, fica entendido que ela também não era a oitava maravilha do mundo. Mas temos hoje o capítulo em relação ao Ensino Médio. Então essa reforma do Ensino Médio vai ser totalmente descaracterizada, acho que fica aqui um alerta! Tem um grupo organizado pela Monica, pela Nora, um grupo de todos nossos conhecidos e que também compartilhamos, vem hoje desenvolvendo um Movimento em Defesa do Ensino Médio, e que propõe uma discussão em relação ao que o Congresso Nacional está apresentando em relação à reforma do Ensino Médio. Por mais que eles tenham feito reuniões chamando entidades, a gente não pode negar que eles chamaram muita gente, mas eles ouviram aqui só quem é interessado. Se nós pegarmos o projeto de lei que está em tramitação vamos ver que tem uma grande influência. Se nós conseguirmos ter uma grande influência nas escolas de Ensino Médio no CNE, o Todos pela Educação que congrega tudo isso, o Instituto UNIBANCO, Ayrton Senna, todo esse pessoal, conseguiram fazer um projeto de lei pra reformar o Ensino Médio, então hoje está em disputa isso que representa todo esse grupo e as Diretrizes Curriculares que representa aquilo que nós defendemos em relação ao Ensino Médio.
E eu vou parar por aqui, eu sou mais de casa e sempre estou aqui pra Nora colocar todas essas questões que ela vem pesquisando. A professora Nora é uma pessoa que a gente tem aqui em referência em relação a isso, porque não parou de pesquisar o Ensino Médio ao longo desses anos todos, e acho que tem uma melhor contribuição para dar em relação à isso. É um cenário muito rápido que nós temos em relação ao Ensino Médio, mas as preocupações são imensas. Nós estamos em um momento crucial: o que nós vamos fazer na defesa do Ensino Médio brasileiro? Que não é esse Ensino Médio que está aí nós concordamos com isso, que existem problemas, mas também não na perspectiva dessa diversificação curricular, dessa proposta de distinção do Ensino Médio noturno, e tudo o que hoje está no PL e que também tramita no Congresso Nacional. Muito obrigada.
Nora Rut Krawczyk: Em primeiro lugar quero dar os parabéns, eu ia trazer uma vela, mas fiquei com um pouco de vergonha. Queria dar os parabéns! Dá até um pouquinho de inveja, mas uma inveja sadia pelo trabalho que vocês tem feito aqui, o grupo que está constituído, a possibilidade de trabalhar em conjunto a formação, a pesquisa e a ação política. Não vou dizer que é o único, pois não conheço tanto o país, mas é bem possível que seja.
Em segundo lugar eu quero agradecer o convite, já participei na banca hoje pela tarde, e agora a noite poder compartilhar essa festinha é muito bom. Mas quero fazer um agradecimento público à Monica, pela sua atitude solidária de me convidar a lançar o meu livro [Sociologia no Ensino Médio] junto com o dela. Essa não é uma atitude que acontece todos os dias, lamentavelmente, e não é uma questão de amizade, é uma questão de como nós focamos a produção de conhecimento. Acredito que é uma expressão de entender que a produção de conhecimento não é algo isolado, é um trabalho realizado na discussão com outros e oferecendo espaço para este outro. Bom, vamos trabalhar.
Começarei com a seguinte ideia: entender as decisões políticos educacionais envolve uma complexidade muito grande, isto é, entender por que se faz uma coisa e não outra é muito complexo. Eu tentarei aqui, claro que será impossível desvendar toda essa complexidade, dar alguns elementos de qual é a racionalidade, hoje hegemônica no país, do que tem que ser o ensino médio. A partir daí, mostrar qual é o cenário atual do ensino médio, eu acho interessante porque a Sandra trouxe a visão do conjunto a partir da ação política, e eu vou trazer a visão, claro que não tenho como ter esse panorama nacional como a Sandra, mas uma visão através da pesquisa.
Escutando a Sandra, me ocorreu de esclarecer a seguinte questão, eu parto de uma ideia de que o ensino médio é um nível de ensino mais interessante para compreender os conflitos inerentes às políticas educacionais, à elaboração das políticas educacionais, ou os conflitos inerentes a diferentes projetos de sociedade. Se pensarmos historicamente o ensino médio, isso fica muito claro, tanto no Brasil como no mundo todo. O ensino médio vem se deflagrando em dois grandes projetos: um de profissionalização e outro de uma formação humana completa, formação cidadã do jovem, desde que existe o ensino médio. Ele surge em todos os países como um sistema dual, história, para alguns, de um ensino médio que transmite um conhecimento completo para todos, e para a maioria um ensino médio que ensina a trabalhar. Isto é uma característica que mostra claramente a disputa que existe, entre que tipo de conhecimento se socializa e que tipo de conhecimento não se socializa, claro que a medida em que se expande o ensino médio, esse conflito fica mais acirrado ainda. Hoje é difícil encontrar alguém que diga que não se deve aprender a ler e escrever, eu não quero dizer que o ensino fundamental e a universidade não tenham conflitos, de jeito nenhum, mas, do meu ponto de vista, o ensino médio entra para o pesquisador como local extremamente fértil para se observar os conflitos sociais em disputa pela socialização ou concentração do conhecimento socialmente produzido.
Então, quando estudamos as demandas, pressupostos, valores, ideias, na verdade estamos também estudando as tensões que atravessam em toda a história de uma determinada sociedade. Como vocês sabem, até a década de 90, os dados do ensino médio eram profundamente constrangedores, não vou trazer os dados completos, mas só 17% dos jovens na faixa de 15 a 19 anos estavam matriculados no ensino de segundo grau, como era chamado na época. É muito fácil pensar quem eram esses 17%, a que grupo, que classe social pertenciam esses 17%. Porém, o ensino médio se torna um problema só a partir da década de 90. E isso não é por acaso, quando digo que se tornou um problema quero dizer que a sociedade começa a olhar para o ensino médio e pede do Estado respostas para as características que esse ensino médio estava mostrando. Então, se torna um problema social que necessita ser resolvido.
Penso que se torna um problema a ser resolvido pelas políticas públicas, não só porque é uma questão de direito e nem somente no Brasil, ele se torna um problema porque há uma conjunção de várias situações ao mesmo tempo. Por um lado, no caso do Brasil, a pressão dos egressos, começa a ter mais alunos com condições de cursar o ensino médio, também a demanda por um diploma para conseguir trabalho. Ainda que, em outros países existam pesquisas, e tenho uma suspeita de que os dados não contrariam os apresentados aqui, de que não é um diploma de ensino médio que garante o trabalho, é a classe social à qual pertence. Isto é, entre o jovem da classe média com ensino médio e o jovem das classes populares com ensino médio, esse último tem menos condições de conseguir trabalho. Mas existe uma ideia, e cada vez mais vinculada pela mídia, de que os diplomas permitem se conseguir trabalho. Também por pressões externas, que estão cada vez mais fortes, seja pela avaliação (o famoso PISA) e o resultado. Para se tornar um país competitivo tem que estar o Brasil em um determinado lugar no PISA, e também pelas Organizações Internacionais, que apareceram menos na década de 90, tem pressionado bastante para a expansão do ensino médio. Também há outra questão, que é a necessidade de controlar os conflitos gerados pela incerteza, que nesse período, a juventude vive com relação ao seu futuro. Tais conflitos se expressam em jovens participando de nichos de mercados, de trabalho não legítimos, os famosos tráficos de drogas, que também são espaços de trabalho, e também assistencialistas. Isto é a rebeldia, a forma como o jovem está expressando a sua incerteza frente ao futuro, ele gera conflito para a sociedade, e temos uma maneira de resolver como a Sandra comentou, que é o caso de Goiás.
Uma vez reconhecido socialmente o problema, começam as políticas de expansão, porém junto com estas começa-se a escutar de maneira muito rápida, quase concomitante, as afirmações com um tom alarmante “o apagão do ensino médio”, “no ensino médio só temos lado negativo”, e todas as expressões que dizem sobre a qualidade do ensino médio no Brasil. Se soma a isso a ideia constante da suposta dicotomia entre qualidade e quantidade. “Esse apagão do ensino médio tem haver com estar entrando muita gente na escola, então não dá para fazer as coisas como se deve”. Este discurso, que eu chamo de alarmante sobre o ensino médio, não quer dizer que eu considere que o ensino médio hoje no Brasil esteja fantástico, de jeito nenhum. Mas esse discurso alarmante não se refere ao desafio e positividade de ingressos de novos setores sociais, pelo contrário, esse discurso alarmante cria condições para o que podemos chamar de soluções rápidas, “vamos resolver rápido, porque não dá para deixar assim muito tempo, porque temos pressões externas, porque temos o PISA, porque temos violência, entre outros”.
Estas soluções rápidas acabam sendo demandadas pela própria sociedade, e pelos órgãos públicos, então surgiram programas possíveis de trazer ideias e inovações para o ensino médio. Acredito que estas soluções são de ordem prática e vão trazer a ideia de experiências “exitosas” de outros países, mas não trazem os resultados dessas experiências. Isto é muito interessante, por exemplo, hoje se colocamos “Ensino Médio” no Google, encontramos uma quantidade importante de textos que se referem a mudança do Ensino Médio em Nova York (EUA), mas nenhum fala da avaliação, nenhum fala que o prefeito caiu, só para dar um exemplo, nenhum texto fala se aprenderam ou não aprenderam, só falam sobre a mudança de gestão e a incorporação da sociedade na gestão dessa escola. Não é a única experiência, mas é uma que está bastante divulgada.
Todas essas soluções rápidas vão ter como foco a necessidade da modernização da gestão pública, e neste caso, a necessidade de modernização das secretarias de educação e da gestão das escolas, isso nos dois espaços. Esta ideia da modernização da gestão pública, ela engana, principalmente no Brasil através dos movimentos empresariais, que a partir dos anos 2000 vão se tornar uma proposta, vai deixar de ser uma crítica para se tornar uma ação mais propositiva. Estes setores vão buscar hegemonias através do que chamamos da premissa economicista sobre a educação, porque estas visões vão trazer argumentos baseados em uma relação de causalidade entre educação e desenvolvimento econômico, entre educação e mobilidade social. São proposições bastante reducionistas sobre o papel do ensino médio, e muito mais do que reducionista se não levarmos ao extremo esta relação entre educação e, por exemplo, desenvolvimento econômico, pois é uma mentira, e muito mais em relação a mobilidade social.
A ideia vinda do economicismo, quando a teoria econômica vai entrar na educação para pensar seus problemas econômicos, e vão olhar para a educação da mesma forma que olham para qualquer outro indicador social. Eu digo que nos últimos anos eu não sei o que é mais importante para demonstrar o desempenho do país, se é o PIB ou o rendimento educacional. Não vou nem falar da diminuição da pobreza.
Outra ideia, além dessa causalidade entre educação e desenvolvimento é a ideia que vem junto, de imprevisibilidade da educação para melhorar a renda e, principalmente, a condição de empregabilidade. Isto é uma novidade. O economicismo na educação não é uma novidade, mas a ideia de empregabilidade é sim. Isto dará argumento para fazer do modelo empresarial um modelo para a educação, ou seja, do modelo de gestão empresarial um modelo para a gestão escolar.
Venho trabalhando, faz algum tempo sobre as consequências desse diálogo quase simbiótico, ou essa relação quase simbiótica, entre a economia e a política educacional e o não diálogo entre as outras ciências sociais e a política educacional. O que perde, a meu ver, a política educacional quando não dialoga com estas outras ciências sociais é a possibilidade de compreender as consequências institucionais e sociais de determinadas políticas educacionais, e muito mais compreender as dinâmicas institucionais e sociais, para poder definir políticas educacionais que não sejam ingênuas.
Não quero me estender muito com isso, mas isto é, de maneira muito rápida, como eu estou vendo o cenário de construção das políticas educacionais para o ensino médio nesse caso específico. Então, como poderíamos definir o cenário atual do ensino médio no Brasil? Algumas coisas eu vou repetir do que a Sandra disse, mas vou passar rapidinho. Temos hoje o ensino médio no Brasil com diferentes modalidades e formatos, esse cenário é consequência de tudo isto que falei rapidamente até agora, e eu afirmo que existe no ensino médio, na promoção de políticas para esta etapa, um processo de renovação da racionalidade pedagógica e organizacional, não que já esteja implantado, mas existe um processo de renovação hegemônico dessas duas racionalidades. E que o papel privilegiado, nesse processo de renovação está dado por essa questão, que já coloquei anteriormente, do consenso da necessidade de modernizar a gestão pública da secretária e da escola, tendo como papel privilegiado a gestão empresarial.
Quando eu olho para os estados, vejo que existe progressivamente um processo de padronização nacional e ao mesmo tempo um processo forte de fragmentação do conjunto do ensino médio no interior de cada estado. Isto é uma hipótese, podemos discuti-la sem dúvida alguma, em como se dá esse processo de padronização, pela construção hegemônica de um modelo de ensino médio, não pela indução de políticas públicas, nesse caso especifico. E por que se dá simultaneamente uma forte fragmentação no interior das redes estaduais, porque, como eu vou mostrar agora, se queremos dizer o que temos dentro de um estado, num conjunto das escolas de ensino médio, vamos encontrar diversas situações, modalidades, formatos, que junto com o processo de expansão, provoca um processo de exclusão que leva a segregação educacional. Então, é um cenário complexo que temos que discutir. Digo isso porque, em nome da flexibilização educacional, uma ideia que está bastante em voga e não apenas no Brasil, e portanto, deficiência do sistema, vamos ver que coexistem a “velha” escola média com novas modalidades de ensino. E também, dentro de cada modalidade com diferentes formatos de ensino, inclusive dentro das modalidades. Nas Secretarias de Educação, cada modalidade, pelo menos nos estados que trabalhei e observei, tem sua coordenação e sua equipe, e no geral, essas equipes não conversam entre si. Claro que existem estados que isso se dá de forma mais grave e em outros de forma menos grave. Isto tem a ver porque, em alguns programas, os grupos indutores exigem uma organização e equipe própria. Então tem a equipe do ensino médio integrado, a equipe de currículo, então você diz: “mas pera aí, o ensino médio integrado não mexe com currículo? Ah! Tudo bem, mas para que conversar?” Isto é, de uma fragmentação do olhar para o ensino médio bastante grave, estou falando do interior das secretarias. Mas nesse conjunto podemos dizer que as principais políticas educacionais convergem para a construção de uma escola média de tempo integral, ou tempo completo, uso este nome porque elas convergem para a extensão do tempo escolar, um projeto é outra coisa.
Se alguém me perguntar, “como é o ensino médio no Brasil?” Teria que responder o seguinte: nós temos o ensino médio chamado regular, ou seja, aquele de tempo parcial, a velha escola média, diurna ou noturna, nós temos ensino médio integrado a educação técnica profissional, nós temos ensino médio concomitante a educação técnica profissional, nós temos ensino médio com a jornada completa, sete a nove horas de aula, temos ensino médio com jornada semi-integral – dois dias com extensão, temos ensino médio de jornada completa de gestão exclusiva do Estado, e temos ensino médio integral, vou chamar assim, pois esse termo é usado frequentemente, de gestão compartilhada, não estou dizendo do ensino médio privado, estou falando só do ensino médio público. Isto não está no papel, isto não é um esquema, um organograma do ensino médio, mas isto é o que encontramos nos estados, é nisto aqui que eu enxergo a fragmentação.
No ensino médio regular, o que tenho visto, são poucas alterações, que não tem sido a prioridade do estado, e eu digo que a “menina mimada” é o ensino médio em tempo integral, mas as escolas de ensino regular são a maioria das escolas nos Estado. O que acontece nessas escolas regulares e, principalmente, o que chega nessas escolas? Principalmente o ProEMI [Programa Ensino Médio Inovador], que pelas suas mudanças e flexibilizações, permite que a escola de 5 ou 6 horas participar do ProEMI, por um processo de forte indução dos Estados, e um conjunto de programinhas, como a Sandra disse, Itaú faz uma coisa, Unibanco faz outra, assim por diante. É isso que mais chega para a escola, chamada hoje, regular. E no caso do ensino noturno, eu tenho visto uma tendência dos Estados a substituir esse período pela EJA, essa é uma questão que está presente no PL que estava falando e podemos discutir. Depois temos ensino médio integrado e ensino médio concomitante, porém não vou falar sobre isso tendo na minha frente um livro [Ensino Médio Integrado: Travessias] que será lançado hoje, que estuda em profundidade o ensino médio integrado, isso seria um ato de irresponsabilidade da minha parte, e também, eu não estudei o ensino médio integrado. Mas o que nós temos, só para mostrar esse cenário de fragmentação nos Estados, São Paulo é paradigmático, tem ensino médio técnico sobre a responsabilidade da Secretaria de Ciência e Tecnologia e o ensino médio regular na Secretaria de Educação. Então, São Paulo e Paraná tem convênio com o Instituto Federal de Educação, fazendo o programa integrado. Depois podemos discutir se integram ou não integram alguma coisa, isto eu deixo para a Monica. Ainda temos os convênios com o setor privado, onde se realiza o ensino médio concomitante.
Além de toda discussão dos recursos públicos para o setor privado, eu acho muito interessante essa fragmentação no interior da Secretaria, entre quem é responsável pelo ensino técnico e quem é responsável pelo ensino regular. Em outros estados, como Pernambuco, não existe esse problema, pois foram transformadas todas as escolas técnicas, nas chamadas escolas integradas, ou seja, regular e técnica ao mesmo tempo. Porém, soube que o Paraná tem uma parcela importante de escolas concomitantes, em parceria com o setor privado. Então, esse é um pouco do cenário do ensino médio integrado que sem dúvida requereria uma análise do próprio ensino médio. Mas o que quero mostrar é que o ensino médio integrado tem, no interior da sua modalidade, diferentes formatos e que sem dúvida afeta o processo de ensino aprendizagem dos alunos.
E depois temos o ensino médio de jornada completa, que envolve a semi-completa, que envolve gestão compartilhada, como Sandra colocava, no Rio de Janeiro tem uma escola que é chamada de “escola Oi”, porque lá a gestão é compartilhada entre Estado e o Instituto Oi e têm sistemas de gestão e de avaliação, de definição de prioridades, especialidades e de ingresso diferenciados. Mas o que tenho visto, e por isto estou falando da construção de um padrão nacional, é um modelo de gestão educacional que se chama “tecnologia empresarial socioeducativa”. Este modelo surge na impressão de Brecht, para a mudança da gestão dessa empresa e pelo êxito que esse modelo apresenta na empresa, um grupo de empresários vão pensá-la como uma tecnologia para melhorar a educação. Porque chamar de tecnologia? Porque são um conjunto de técnicas, instrumentos, planos, compromisso, metas, entre outros, que são sistematizados e transformados em possíveis de serem aplicados em educação e em diferentes contextos, não terei tempo para explicar detalhadamente sobre esse modelo, mas quero destacar duas questões: eles conseguem driblar as leis, vão pelo lado das leis, tudo que ainda não pode ser mexido na gestão pública, eles conseguem um jeito de passá-la. A outra se refere à ideia de qual é o projeto pedagógico? O projeto pedagógico é a ideia de transmitir uma cultura empresarial, e dentro desta a cultura do empreendedorismo no jovem. Isto se dá através de projetos que se elaboram na escola, entre outros. Nós podemos pensar o por quê disto? Eu tenho uma hipótese. Isto dá uma resposta à incerteza do jovem, porque ele passa a se convencer que esta construindo seu próprio futuro, portanto tem um futuro, se ele conseguir construí-lo como corresponde, e ter um futuro que ele consiga enxergar, porque tem metas, estratégias, ações e uma instituição que o apoia. Estas são as duas características que eu queria destacar.
Para finalizar eu quero dizer que eu enxergo esse processo de construção de um modelo empresarial, ou melhor, da participação empresarial na política pública, neste caso especificamente do ensino médio, não como um processo de privatização. Eu enxergo isso como um processo de reconfiguração do espaço público. Estou querendo dizer que a forma de fazer política pública e de definir a lógica do espaço público de política mudou e o setor empresarial é um ator fundamental, ou privilegiado, tanto do Ministério, quanto de muitas secretarias de educação, na definição do espaço público, de definição de políticas. Eu vou dar só um exemplo: o movimento “Todos pela Educação” acaba de assinar uma parceria com o CONSED, não sabemos qual a relação que Mercadante mantinha com estes setores. Eu tenho uma aluna que analisou o perfil dos associados ao movimento, além das empresas, tem os setores públicos. Finalizando, reitero que este modelo que contei agora, não chega aos estados por imposição de nada, muitas secretarias de educação pedem esse modelo, pedem essa consultoria. Eu trabalhei com São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, estive um pouco em Minas Gerais, e também trabalhei através dos alunos e entrevistas telefônicas com outro conjunto de estados para poder observar essa tendência.
Bom, muito obrigada, espero poder compartilhar essas hipóteses e discuti-las com vocês.
Após o debate houve o lançamento e sessão de autógrafos dos livros “Ensino Médio Integrado – Travessias”, organizado por Monica Ribeiro – link para a página da Editora Mercado de Letras; e “Sociologia do Ensino Médio – Crítica ao economicismo na política educacional”, organizado por Nora Krawczyk – link para a página da Cortez Editora.
Viva o Observatório do Ensino Médio da Universidade Federal do Paraná!
Transcrição das falas: Vanessa Gelbcke e Carolina Stonoga
Fotografia e edição: Gilson Camargo