Bate papo e lançamento do livro “Espelho da cidade – Reflexos a partir do graffiti de Curitiba”

1webGraffiti e arte de rua foram tema de encontro de grupos de pesquisa na Sala Homero de Barros, da UFPR.

Organizadores e artistas do Projeto Espelho da Cidade estudaram durante 3 anos a temática do graffiti na cidade de Curitiba. Esta pesquisa resultou na publicação de um livro e um site e, no dia 27 de maio, o Observatório do Ensino Médio da Universidade Federal do Paraná realizou um debate com a presença de quatro dos sete autores deste projeto.

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O grafiteiro Valdecimples, o jornalista Rodrigo Wolff Appoloni, a designer Daniela Munhoz e o sociólogo e professor Angelo José da Silva, falaram sobre suas pesquisas e em especial sobre como se dá o ingresso do jovem na arte de rua, como a cidade os recebe e de que forma a educação influencia no entendimento desta atividade, ajudando a superar os preconceitos, bem como buscando compreender este fenômeno sem maniqueísmos.

Registros de Rodrigo Wolff Appoloni, publicados em https://www.flickr.com/photos/plasticourbano.

“Num momento está invisível e, num dia qualquer, de repente, você presta atenção e o vê. E se surgir a curiosidade e a oportunidade se abrir, existem muitos modos de se perceber o graffiti: a partir do social, do jovem, da política, da arte, da polícia, da cultura, do design, da publicidade, da tipografia, das histórias em quadrinhos, da ilustração, da expressão humana. Enfim, o graffiti está por toda parte. Como ele toca você?” (trecho do prefácio do livro Espelho da Cidade – Reflexos a partir do graffiti de Curitiba)

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“Das brincadeiras com desenhos derivam as brincadeiras das crianças em casa com os irmãos ou amigos na escola. As aulas de educação artística não suportam a necessidade dos alunos de se expressarem para se desenvolverem e aprenderem a lidar com a cor e as linhas nos trabalhos escolares; das rasuras nos cadernos escolares e carteiras dentro das salas de aula surgem novas possibilidades e outras ações. Esses alunos ultrapassam os limites que são as paredes da escola para riscar outras superfícies comunitárias e se comunicar com os amiguinhos. Das brincadeiras com as folhas e os lápis surgem as linhas que riscam os seus nomes nas superfícies das carteiras, os alunos cruzam as fronteiras das salas de aula e chegam às paredes dos banheiros das escolas, e também para fazer um desenho a pedido dos amigos de classe. Ao atingir mais idade, os rabiscos foram para os muros dos fundos do colégio com giz branco e, quando havia um pouco mais de coragem, os rabiscos chegaram aos limites do bairro: os muros que dividem as propriedades. E ao atingir mais idade, munidos de tinta spray ou pincel, riscavam os muros e as paredes alheias. Tudo de forma livre, espontânea e sem pretensões; também eram atacados os seus lugares de morada: quarto, muro dos fundos de casa e seguem para os limites dos bairros, tudo de forma tímida e demorada; são adolescentes que estão descobrindo as possibilidades de vida em sociedade e seus riscos. Quando atingem a adolescência, descobrem que podem usar os muros de sua cidade para se expressar e dialogar com os outros – e serem respeitados – ou, na busca por uma identificação, criam um ponto de identidade: as inscrições no corpo da cidade, colocando seus nomes ou desenhos nas paredes das cidades.” (trecho de “Rasuras: graffiti antes do graffiti”, texto de Valdecimples para o livro)

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Cada um dos autores escolheu uma vertente de estudos para relacionar com o graffiti. Rodrigo Wolff Appoloni analisou a paper street art, forma de arte gráfica de rua que tem no papel seu veículo essencial, relacionando-as a algumas regiões da cidade e determinando assim uma galeria de percurso nas ruas de Curitiba; Angelo José da Silva instiga o leitor a compreender o grafite como linguagem, e conta que iniciou sua relação com o tema fazendo o que ele chamou de “alfabetização”, observando, tentando ler as imagens para então interpretá-las; Daniela Munhoz defendeu em 2003 no programa de pós graduação em Antropologia Social da UFPR a tese de mestrado “Graffiti: Uma etnografia dos atores urbanos de Curitiba” e a partir destes estudos escreveu suas reflexões sobre o movimento dos jovens até o graffiti.

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O graffiti e a pixação são uma expressão comunicacional; a cidade funciona como uma plataforma de comunicação. Alguém deixa uma mensagem e você recepciona aquela mensagem, assim se estabelece um padrão de comunicação. Muitas delas nem chegam a ser vistas, outras ficam tão escancaradas que provocam a ira. Quando falamos em pixação, a palavra vem de pixo e pixo é a escrita política da primeira metade do século XX. Quando falamos em graffiti, falamos em graffiare, que significa riscar.

A respeito do impulso que leva alguém a fazer graffiti, eu queria partir de duas perspectivas: a primeira de juventude e a segunda histórica. Quando eu falo de perspectiva de juventude, eu fico pensando na minha própria infância e juventude. Toda criança tem o desejo de riscar uma parede, uma carteira ou mesmo a porta do banheiro. Isso parece que faz parte da visão da maioria das crianças, e isso não é um movimento recente. Ao fazer o histórico do graffiti você descobre que toda a área do mediterrâneo antigo, na Grécia, nas colônias, você tem graffitis desde muito cedo. Pompeia é um lugar que tem muitos “graffitis”; 300 que eles já localizaram e alguns destes desenhos feitos a uma altura estranhamente baixa, na altura do quadril de um adulto, se presume que sejam graffitis feitos por crianças. Então, tenho essas duas perspectivas: essa energia, esse elã vital, e a presença histórica. A pergunta que eu deixo é: Que energia é essa? E, segundo, como desviar uma parte dessa energia para a educação?

Rodrigo Wolff Appoloni

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Eu fotografo desde há muito tempo na rua. Você sai andando, vê alguma coisa e fotografa. Um dia eu vi um desenho do famoso “pássaro cagão”, que era um desenho pequenininho de um passarinho fazendo, obviamente, o “número dois” como diz o apelido que ele recebeu. Eu vi aquilo na Rua 13 de Maio, no chão, em uma soleira de porta. Soleira de porta já é uma coisa meio absurda, e aí, na soleira da porta ter um desenho! Talvez tenha sido esse duplo de absurdos que proporcionaram essa fisgada, que eu chamo aqui de “apaixonamento”. Então, a partir daí eu comecei a notar que além dos grafites havia uma série de outras coisas que alguém fazia pra dizer alguma coisa pra outro alguém. E essa curiosidade: mas quem é que faz isso? O que essa pessoa está querendo dizer com isso? E, por que é que esse troço grudou em mim e não desgruda mais?

Procurei, portanto, a partir dos sinais encontrados na “pele” das cidades, compreender os sentidos apontados por eles como parte do entendimento das antigas questões que movem as sociedades humanas, sem isolar o trabalho da existência. E por que o graffiti? Porque ele vem se construindo como uma das formas de expressão mais democráticas, horizontais e universais de que se tem notícia.

Angelo José da Silva

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Com o passar do tempo e com o reconhecimento das suas marcas na cidade, os jovens escritores urbanos estabelecem contatos com artistas de outros lugares em uma grande rede de relacionamento global. Esses contatos promovem circulação artística e assim se desenvolve uma cadeia que parte do local (a pintura na cidade), ganha o espaço global (com a divulgação dos desenhos na internet), e retorna ao local por meio de um pertencimento calcado na ação concreta da intervenção urbana.

Daniela Munhoz

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O idealizador do livro, Valdecimples, grafita desde 1992 e atualmente é estudante de escultura na Escola de Música e Belas Artes do Paraná. O autor agradeceu a oportunidade de divulgar o trabalho para a academia: “Nossa ideia com o livro em nenhum momento foi a de defender ou não defender, fazer ou não fazer apologia ao graffiti. O que sempre quis e conseguimos foi colocar o tema para reflexão”.

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Eu nasci no bairro do Xaxim e tive uma vida quase interiorana, morando em um bairro periférico da região central de Curitiba dos anos 80. Tínhamos certa liberdade, diferente de uma cidade como a Curitiba de hoje, cidade grande. Para mim foi bem chocante ter esse contato com a cidade, mesmo tendo uma vida com valores do interior, vamos dizer assim. Os valores que aprendi com minha mãe e com meu pai eu não via na cidade, não via nas outras pessoas. Sempre viam outros valores, outros interesses. E os meus interesses com as pessoas eram sempre relações afetivas, as pessoas com quem me relacionava e tal, pessoas que me interessavam, que tinham coração. Eu via pouco isso em Curitiba, não sei, é só uma colocação… eu acho que o medo é uma coisa bem forte em mim, medo de estar vivendo em outra cidade e tal. Agora eu posso falar disso tranquilo, mas há 10 anos quando estava vivendo isso eu não tinha consciência de, tipo, estar em um bairro, em uma cidade que você tem medo de andar na rua. Acho que todo mundo deve ter medo de andar em alguns lugares, de não poder ir pra qualquer lugar, as pessoas de determinado lugar não poderem ir para outro.

Porque o graffiti não é só pintar, ele tem relação do próprio ser dentro de um ambiente perigoso, vamos dizer assim. E o graffiti pra mim é essa coisa de poder vivenciar a cidade e perder esses medos de estar se relacionando com os outros, de estar em outros lugares. E também, porque é perigoso ser jovem, ser adolescente. É perigoso viver dentro da cidade, diante de tantas mazelas, de tantos interesses e tal. Então, para mim o graffiti foi um pouco disso, de poder vivenciar a cidade de forma plena, ou seja, viver de verdade dentro da cidade.

Valdecimples

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Fotografia e edição: Gilson Camargo

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