Por Monica Ribeiro da Silva, professora da Universidade Federal do Paraná e coordenadora do Observatório do Ensino Médio da instituição.
Há poucos dias, o ministro da Educação divulgou os dados do Censo Escolar 2013. De imediato, circularam notícias a respeito da queda da matrícula no Ensino Médio, algumas delas com certo tom alarmista. Um olhar mais cuidadoso, porém, nos faz indagar se a oscilação da matrícula para menos entre 2011 e 2013 seria de fato a principal inquietação.
O Ensino Médio ocupa atualmente o universo de preocupações de uma gama bastante heterogênea de entidades e sujeitos. Retomaremos a afirmação após esboçarmos um breve quadro e desenvolvermos alguns questionamentos acerca da oferta, do acesso e da permanência.
Pela Emenda Constitucional 59/2009, o tempo de escolaridade obrigatória no Brasil passou a compreender a faixa etária que vai dos 4 aos 17 anos, ampliando, portanto, a obrigatoriedade. A universalização do acesso deve ser assegurada, por meio da colaboração entre os entes federados, até 2016.
Trata-se da ampliação do direito à educação e do reconhecimento da importância do Ensino Médio, agora alçado à condição de educação básica. Diante desse quadro nos parece oportuno perguntar: a que distância estamos desse cenário?
O Censo Demográfico (IBGE, 2010) mostrou que o Brasil possui um total de 10.357.874 jovens entre 15 a 17 anos. Se tomarmos esse contingente populacional como referência, considerando as matrículas pelas etapas da educação básica, veremos que 3.289.510 ainda estavam, em 2012, no Ensino Fundamental. Cerca de 6 milhões estavam no Ensino Médio. Próximo a 1 milhão de jovens nessa faixa etária encontrava-se totalmente fora da escola.
O Censo Escolar 2012 já indicava um decréscimo da matrícula no Ensino Médio, passando de 8.400.689 em 2011 para 8.376.852. O Censo de 2013 sinaliza um reforço desta tendência, ao mostrar que foram 8.312.815 matriculados nas 27.164 escolas que ofertam educação básica. Porém, consideramos precoce extrair conclusões com base somente nesses números.
Olhemos para dados mais distantes. Em 1991, eram 3.772.330 pessoas matriculadas no Ensino Médio, e em 2013 são 8.312.815. A maior expansão ocorreu entre 1991 e 2001 (de 3.772.698 para 8.398.008). De lá para cá tivemos um ápice de matrículas em 2004 (9.169.357) e decréscimo com algumas variações a mais ou a menos nos anos seguintes.
Nesse cenário de expansão, alguns elementos vão se instituindo e caracterizando oferta, acesso e permanência na escola. Embora a ampliação do acesso venha se efetivando nas duas últimas décadas, as distorções idade/série permanecem como marca do sistema educacional brasileiro. No que se refere à faixa dos 15 aos 17 anos de idade, mais de 40% dos estudantes encontram-se ainda no Fundamental. A distribuição regional nos mostra de maneira mais fidedigna um quadro marcado pela heterogeneidade. Em 2012, pouco mais de 42% das matrículas estavam na Região Sudeste, ao passo que a Região Norte comportava menos de 10% do total.
Outro aspecto da oferta do Ensino Médio diz respeito ao abandono escolar. Em relação às taxas de aprovação, reprovação e evasão, os índices do Censo de 2011 estão longe dos desejáveis. A taxa total de aprovação na 1ª série do Ensino Médio foi de 70%, enquanto 18% reprovaram e 11% abandonaram a escola nesse ano.
A heterogeneidade da matrícula, o abandono e o horizonte da universalização nos colocam diante de grandes desafios. Temos, por exemplo, de reiterar aspectos ligados ao financiamento público. A ampliação da vinculação de recursos e a complementação financeira por parte da União, verificada com a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) a partir de 2007, decerto se constituiu em incentivo para o crescimento da oferta de vagas. Mas em que medida o aumento do financiamento público implicou melhora das condições de permanência e qualidade?
O decréscimo na matrícula, a reprovação e o abandono escolar nos levam a sinalizar que é preciso pensar em escolas em condições plenas de realizar educação de qualidade, que acolham e que permitam a vivência de uma experiência formativa significativa, diversificada, plena. As condições materiais, no entanto, não podem ser pensadas dissociadas das lógicas de organização curricular. É preciso enfrentar a cultura escolar consolidada que reitera a fragmentação dos saberes, a hierarquização entre disciplinas, a dissociação entre ciência e técnica, entre cultura e trabalho.
Não poderíamos deixar de expressar preocupação com ações que constituem ameaça a direitos já assegurados e comprometem medidas que de algum modo vêm buscando ampliar o acesso e qualificar a permanência dos jovens na escola. Fazemos referência aqui ao PL 6.840/2013, que propõe, dentre outras, a obrigatoriedade da jornada completa (sete horas diárias) e a eliminação do ensino noturno para menores de 18 anos. Se considerarmos que quase 2 milhões de jovens de 15 a 17 anos trabalham, essas proposições se constituem, claramente, em cerceamento de direito. Sem falar na sugestão, no mesmo projeto, de uma organização curricular com ênfases de escolha dos estudantes, que retoma a Lei nº 5.692/71, emblema, na educação brasileira, dos tempos da ditadura militar. Além disso, essa proposição está na direção oposta à tendência atual de organização curricular que busca a integração dos conhecimentos e que está também presente nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio.
Nesse ponto retomamos a afirmação de que o Ensino Médio ocupa hoje o universo de preocupações de uma gama heterogênea de entidades e sujeitos. Isso se evidencia nas determinações do Conselho Nacional de Educação; nas políticas do MEC, como o Programa Ensino Médio Inovador e, mais recentemente, o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, ambos em colaboração com as Secretarias Estaduais de Educação; nas proposições de segmentos da sociedade civil, como as do movimento Todos pela Educação, uma clara expressão das intenções do empresariado nacional sobre a educação básica; e na iniciativa do Legislativo, que elabora um projeto de lei que desconsidera determinações legais e políticas em andamento.
Se, por um lado, essa situação indica positivamente uma preocupação por parte da sociedade brasileira com relação à última etapa da educação básica, ela sinaliza que não necessariamente as propostas caminham em uma mesma direção. As formulações desses distintos agentes evidenciam que estamos diante de projetos em disputa, o que nos coloca à frente da necessidade de compreender com maior profundidade quem está disputando e por quê.
Publicado na revista Carta na Escola, edição 85, de abril de 2014 – link para localidade original.
Foto: Steve Bonini/Latinstock
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