Atividades práticas ligadas aos interesses dos alunos são uma alternativa para combater a evasão escolar. Foto: Gustavo Morita
Mais de 1 milhão de jovens entre 15 e 17 anos ainda estão fora da escola; redes precisam reformular modelo do ensino médio, debater currículo e formação dos professores e enfrentar desafios no ensino noturno e rural
Por Christina Stephano de Queiroz
Faltam respostas objetivas à pergunta sobre como garantir o direito à aprendizagem no ensino médio. É o que apontam diversos especialistas consultados nesta reportagem. Os problemas residem não apenas nas falhas de formação dos licenciados e na ausência de estímulos à carreira docente, mas também na ausência de definição de um modelo e de um currículo adequado, que responda às diversas demandas dessa etapa – formação do cidadão, para o trabalho e preparação para o ensino superior – e enfrente desafios como o ensino noturno, nas áreas rurais e o desinteresse dos jovens pelos estudos.
Até 2016, a matrícula dos alunos de 15 a 17 anos será obrigatória, mas muitos desses jovens ainda estão fora da escola; uma percentagem ainda maior frequenta a escola, mas não chegou ao ensino médio. Mônica Ribeiro da Silva, professora da Universidade Federal do Paraná e coordenadora do Observatório do Ensino Médio, vinculado ao Observatório da Educação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes), explica que dos 10,5 milhões de pessoas nessa faixa etária no Brasil, somente 5 milhões estão de fato matriculadas no ensino médio, o que corresponde a 59,5% dos brasileiros nessa faixa etária. Cerca de 3,5 milhões ainda cursam o fundamental e mais de 1 milhão está totalmente fora da escola (veja infográfico).
O gargalo é ainda maior se considerarmos os altos índices de abandono escolar. “As instituições enfrentam limitações para atender às necessidades e interesses dessas várias juventudes que se encontram dentro delas”, analisa Mônica. Além das questões de ordem pedagógica e internas das escolas, a docente aponta que há razões de ordem econômica que obrigam cerca de 2 milhões de jovens de até 17 anos a trabalharem.
Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco, atribui parte desse panorama negativo ao atual modelo dos cursos de pedagogia e das licenciaturas, que se distanciaram do ambiente da sala de aula e têm pouco foco em questões didáticas (veja matéria na pág. 30). A gestão escolar, por sua vez, deve elaborar objetivos mensuráveis para cada turma do ensino médio, mobilizando a equipe docente para dar mais atenção aos alunos com mais dificuldades.
Currículo
Outro desafio enfrentado no ensino médio diz respeito à inexistência de uma base nacional curricular comum que estabeleça claramente o que o jovem deve aprender em cada nível do ensino e, com isso, permita que as escolas adaptem seus projetos pedagógicos conforme sua realidade. Para Henriques, o programa Ensino Médio Inovador (ProEMI) – que prevê inovações nos currículos escolares, tornando-os mais dinâmicos e adequados aos interesses dos jovens – seria mais bem aproveitado com a criação dessa base comum. “Sem esse parâmetro, há mais margem para interpretação, o que pode não ser positivo”, analisa. Lançado em 2009, o programa do governo federal oferece apoio técnico e financeiro às escolas que desejam reformular seu currículo. Com investimento inicial de R$ 33,1 milhões, 18 secretarias de Educação ingressaram na iniciativa, que já reúne os órgãos de todos os estados brasileiros. No ano passado, o MEC investiu R$ 167 milhões no programa que, segundo o Observatório do Ensino Médio, funciona hoje em mais de 2 mil escolas no Brasil.
Também defensor de mudanças curriculares, o diretor de articulação e inovação do Instituto Ayrton Senna, Mozart Neves Ramos, propõe que o nono ano do ensino fundamental e o primeiro ano do ensino médio sejam iguais para todos os alunos do Brasil, enquanto o segundo e o terceiro anos se vinculem a necessidades futuras e sejam orientados por áreas – exatas, humanas ou biológicas. Para Mozart, as discussões em torno da formulação dessa base comum são uma prova de como o governo não fez a articulação correta de questão. “Há gente no Conselho Nacional da Educação, no MEC e em grupos do terceiro setor trabalhando o assunto, porém os esforços não estão articulados, algo que caberia ao governo realizar”, critica.
Algacir José Rigon, coordenador da licenciatura Educação no Campo na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), afirma que há parâmetros comuns que precisam ser pensados, pois o país carece de um currículo menos “conteudista” e que considere o desenvolvimento da personalidade dos indivíduos. Ele destaca, ainda, que o ensino médio não deve ter em vista apenas a preparação para a etapa seguinte do estudo – como ocorre em muitas escolas – mas sim a formação integral do sujeito. “A referência não pode ser o vestibular, o mercado de trabalho ou provas como o Enem”, assegura.
Apesar de também levantar a bandeira da reformulação, Mônica lembra que as instituições já contam com as Diretrizes Curriculares Nacionais – que estabelecem os componentes curriculares obrigatórios e trazem proposições sobre como eles podem ser organizados – como suporte à elaboração de suas propostas pedagógicas. “Com essas diretrizes, conseguimos assegurar alguma unidade nacional e, ao mesmo tempo, respeitar as diversidades locais”, pondera. Ela destaca outra iniciativa recente do governo federal, o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, que tem como ação central a formação continuada de professores. De acordo com ela, as 27 unidades da federação aderiram à iniciativa, envolvendo 320 mil professores e coordenadores pedagógicos. Os cursos são ofertados por 52 universidades públicas que coordenam os processos nos estados. Os participantes recebem uma bolsa do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para incentivar a prática.
Acesso
A garantia do direito à matrícula até 2016 é um objetivo controverso, segundo apontam os entrevistados. “Quando pensamos em universalização das matrículas significa que o governo deve oferecer vagas nas escolas a todos os jovens, mas não necessariamente garantir que eles estejam matriculados no ensino médio”, explica Ramos, ao ressaltar a alta defasagem idade-série no país.
Segundo Rigon, as vagas nas escolas serão garantidas na maioria dos casos, mas será um acesso enquanto possibilidade. Ele conta que no Rio Grande do Sul, por exemplo, várias escolas rurais menores são fechadas e os alunos realocados para instituições maiores, localizadas nos centros urbanos. Com isso, os governos podem alegar que há espaço, salas e infraestrutura suficiente para atender a todos, garantindo que cumpriram a meta. “Mas os estudantes de escolas rurais, principalmente, precisam percorrer caminhos longos e em estradas precárias para chegar às cidades, o que muitas vezes inviabiliza sua ida cotidiana à escola e colabora com a evasão.”
Uma das práticas, que permite cativar o interesse dos alunos, é o desenvolvimento de projetos ligados a problemas locais, o que funciona principalmente nas escolas rurais que ficam nas comunidades atendidas. Rigon lembra o caso da Escola Antônio Conselheiro, no Rio Grande do Sul, em que os estudantes desenvolveram o projeto “Construindo caminhos para a valorização do espaço em que vivemos”. Segundo ele, as estradas rurais das comunidades do campo não têm nomes, o que gera dificuldades para registrar a conta de energia elétrica, a rota do transporte escolar, abertura de crediário etc. Para resolver esses problemas, os alunos da instituição entrevistaram as famílias da comunidade, elaboraram plantas e maquetes – apoiados nas aulas de geografia – e marcaram reuniões na Câmara de Vereadores para nominar as ruas com nomes sugeridos pela população.
Já no Amazonas, os recursos tecnológicos têm sido adotados como alternativa para levar aulas a comunidades rurais isoladas. A secretaria de Educação do estado criou um projeto de mediação tecnológica em que, desde 2007, os estudantes de zonas rurais participam de aulas do ensino médio a distância. “Há comunidades que ficam a 20 dias de barco dos municípios, tornando o deslocamento dos estudantes inviável”, diz Rossieli Soares da Silva, secretário de Educação do estado. De acordo com ele, hoje, 45 mil alunos participam das aulas virtuais. Nas comunidades rurais sempre há um professor de classe para orientar a turma e apenas as disciplinas específicas são dadas a distância.
Período integral
Uma das soluções, que vem sendo discutida para combater o abandono das aulas, é aumentar o período que o aluno permanece na escola. Mônica ressalta, no entanto, que a ampliação da jornada não pode se resumir a “duplicar” o que já está sendo feito, por meio da oferta de disciplinas desconectadas dos interesses e das necessidades dos jovens.
Ramos faz outra ressalva à ideia de que a solução para os problemas do ensino médio se relaciona diretamente à ampliação do período letivo, por considerar que esse modelo só pode ser pensado para os alunos do diurno. De acordo com ele, um terço das matrículas nesta etapa de ensino está no período noturno, totalizando mais de dois milhões de jovens estudando à noite no ensino médio. E um estudo realizado pelo Instituto Ayrton Senna apontou grande disparidade na educação recebida pelos alunos matriculados nesse turno, quando comparados aos estudantes das turmas diurnas regulares. Essa desigualdade é atestada pelo desempenho médio mais baixo em disciplinas básicas, como português e matemática, que pode ser explicado por fatores como menor tempo de aula, taxas maiores de abandono e de distorção idade-série. “Precisamos pensar em alternativas que beneficiem a todos os estudantes e, assim, colaborem com a democratização da educação no Brasil.”
Fonte: http://revistaescolapublica.uol.com.br/textos/44/artigo347508-1.asp