“Os sujeitos do ensino médio e a formação humana integral nas diretrizes curriculares nacionais do ensino médio” – I Seminário Nacional Sobre Formação Continuada de Professores do Ensino Médio – outubro 2013

Palestrantes:
Carlos Artexes Simões, Grupo de Trabalho do Ensino Médio – MEC/Universidades.
José Fernandes de Lima, Conselho Nacional de Educação (CNE).
Monica Ribeiro da Silva, Grupo de Trabalho do Ensino Médio – MEC/Universidades.
Moderadora:
Sandra Regina de Oliveira Garcia, COEM/SEB/MEC.

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Sandra Regina de Oliveira Garcia: Boa tarde a todas e todos! Essa mesa tem um caráter muito especial na nossa discussão desde o primeiro momento em que nós começamos a pensar em um conjunto de ações que deveriam constituir o Pacto Nacional pelo Ensino Médio e, principalmente, em relação à ação formação. Uma certeza nós tínhamos: de que teríamos a grande chance de fazer com que as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM), que foram homologadas em janeiro de 2012, ganhassem materialidade no interior da escola. Nós que representamos um grupo de universidades, de pessoas, de profissionais e docentes das universidades, das escolas de educação básica, que investiram muito do seu tempo na discussão das DCNEM, sabem da importância e centralidade que ela tem na nossa discussão do ensino médio brasileiro.

Em junho do ano passado tivemos o Seminário Nacional do Ensino Médio chamado pelo Ministério de Educação e acho que grande parte de vocês aqui – pelo menos das Secretarias de Educação – participaram daquele seminário. Para prepará-lo, um grupo de professores das universidades contribuíram tanto na discussão das diretrizes quanto com o relator que está aqui nosso querido presidente do Conselho Nacional de Educação: José Lima.  O seminário contou com a participação de 500 pessoas de todos os estados e todas as secretarias de educação, com mesas que deram conta de tratar o ensino médio em todas as suas perspectivas, através de pessoas que estão dialogando conosco há muito tempo: quando eu estive na secretaria de educação do Paraná e nesses quase três anos que estou no MEC; com o próprio Artexes, que também esteve antes no Ministério da Educação; quando a Jaqueline Moll estava na Setec, quando nos discutimos o ensino médio integrado. Eu queria dizer alguns nomes, alguns estão aqui e outros não puderam estar, mas é um grupo que vem ajudando a fazer uma reflexão no Ministério em relação ao ensino médio.

Então, são dois grupos. O primeiro grupo são de professores de universidades que fazem com que nós do Ministério façamos uma reflexão para não nos perdermos naquilo que fomos fazer lá, que são políticas públicas para todos. Queria agradecer em nome da coordenação geral do ensino médio e da Diretoria de currículo também, a professora Monica; ao professor Domingos da Universidade Tecnológica; ao professor Celso Ferretti; ao professor Juarez Dayrell da UFMG; ao Paulo Carrano da Universidade Federal Fluminense; à Denise Freitas da Universidade Federal de São Carlos que vem contribuindo conosco também no diálogo com as licenciaturas; professor [Carlos] Artexes, que, mesmo tendo saído do Ministério da Educação por razões pessoais, continuou dialogando conosco; o Ronaldo Lima do Pará; professor Ocimar da USP; a professora Carmem da USP; professor Gabriel da Feevale; professor Jorge da Universidade do Rio Grande do Sul; o Dante do Instituto [Federal] do Rio Grande do Norte; professor Gaudêncio Frigotto da Universidade Estadual do Rio de Janeiro; a professora Maria Ciavatta da Universidade Federal Fluminense; a Marise Ramos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro; a professora Acácia Kuenzer, que vem nos acompanhando mesmo não podendo estar presente em nossas atividades, mas sempre vem dialogando conosco. O grupo que trabalha na Coordenação do ensino médio aqui representado pela Adriana Andres, a professora Rose, a professora Graça, o Ítalo que, também, estava dialogando antes de ser o Coordenador do Ensino Fundamental no grupo do ensino médio. Posso ter esquecido de algumas pessoas, mas não poderia deixar de falar dessas.

E outro grupo de maior importância, não só para que essas diretrizes – que muitos desses contribuíram na discussão das diretrizes, tenho certeza disso – até na época quem coordenava esse processo era o professor Artexes, mas o Gilson da Bahia; a Maike de Santa Catarina; o Fabio do Espírito Santo; Hilde do Mato Grosso do Sul; a Cristiane de Tocantins; Ana Célia da Paraíba; Paulo do Sergipe; João e Fabrícia de São Paulo; a Maria Guadalupe do Rio Grande do Sul com a Vera; a Merina do Paraná; o Jorge de Mina Gerais; a Patrícia do Rio de Janeiro; a Dariluci do Mato Grosso; a Raquel de Pernambuco; o Edson da Amazonas; a Quelina do Pará  e, antes o Claudio Trindade discutia também conosco; a Negile do Maranhão; a Marcoelis do Piauí; a Dina do Amapá; a Cristian do DF (Distrito Federal); a Arlete do Rio Grande do Norte; Alagoas a Fernanda; no Ceará o Rogers; em Goiás o Fernando; no Acre o Josenir. Eu acho que esqueci de um estado, mas se eu esqueci vocês depois que me desculpem.

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Esses nomes que eu falei agora, que são de estados diferentes, eles compõem o Fórum Nacional dos Coordenadores Estaduais do Ensino Médio. Tudo que a gente está discutindo nesse seminário não é nada estranho a esses coordenadores porque ano passado foi um ano de grandes discussões no interior deste fórum e de grandes contribuições. Então, tudo que o Ministério da Educação está desenvolvendo agora trabalha com esses dois grupos: um grupo vem das universidades dialogando conosco e nos fazendo refletir sobre o trabalho; e as Secretarias Estaduais que vem dialogando conosco e a gente entendendo cada dia mais as suas especificidades: o que cada estado precisa; qual é a grande dificuldade de cada estado? Acho que essa contribuição tem sido muito importante. Esse grupo de pessoas que se reúnem periodicamente faz com que consigamos pensar e elaborar ações e políticas que possam realmente chegar ao chão de cada escola.

Eu queria dizer isto antes de começarmos o debate das Diretrizes porque essas diretrizes tem o desejo, o sonho (não é, Professor Lima, a gente sempre diz isso!) de muita gente que trabalhou e que o senhor [Professor Lima] foi o responsável por consolidar todas as nossas preocupações e tão bem fez porque hoje defendemos as DCNEM e queremos que realmente elas cheguem ao interior da escola. Então as discussões nesse momento apontam e desencadeiam aquilo que a professora Yvelise e a Professora Jaqueline apresentaram no sentido de que DCNEM vão dar a direção para o processo de formação para qual nós estamos aqui para discutirmos.

Está certo essa escolha também do Artexes, da Monica e do Lima, também tem uma razão muito clara: o Artexes passou, participou de todo o processo enquanto estava no MEC e coordenou quase até o final da discussão no Conselho Nacional de Educação; o professor Lima, obviamente, porque é o relator, e foi ele que definiu, que deu orientação final para as diretrizes; e a professora Monica que vai tratar de questões, de uma reflexão a partir das DCNEM. Então, esse trio que está aqui vai ter uma contribuição muito importante para o trabalho dos dois dias e no trabalho que nós vamos realizar de formação.

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Carlos Artexes Simões: Gente, boa tarde! Eu vou imitar a Yvelise, eu vou descer, eu tenho pouco tempo, mas eu queria saudar aqui ao MEC, eu acho que essa iniciativa considera-se extremamente importante. Pediram-me para trazer questões do tempo das formulações das Diretrizes e contribuir com esse debate super importante.

Esse seminário, apesar de termos milhares de seminários no país, com certeza tem uma singularidade, uma particularidade que eu ainda não vi. Eu nunca vi um encontro de tanta gente da Universidade e da Secretaria de Educação (Seduc) num equilíbrio como este, eu nunca tinha visto. Então, já participamos de tanta coisa, mas aqui tem uma coisa diferente, porque quem é da Seduc, sabe o quanto reclamamos das academias estarem distantes  Ao mesmo tempo, há uma reclamação da academia por questões da operacionalização, da forma acelerada, às vezes, a falta de alguns conceitos que a academia defende. Então é uma oportunidade ímpar e única, talvez, de aproveitarmos isso em nome daquilo que é causa de todos estarmos formando redes de articulação que são centrais na política brasileira.

Outra coisa, eu acho que a Sandra fala, nós, no Brasil, fazemos muitas leis educacionais. Talvez seja o país que tenha mais leis educacionais de todo o mundo e muda com uma rapidez extraordinária, sabemos disso. Mas muitas dessas leis ficam até sem ser conhecidas – algumas nem merecem ser conhecidas – mas, no geral, essas leis precisam ser conhecidas e apropriadas. E, assim são as DCNEM. Então há uma oportunidade única aqui, nesse programa imenso de uma formação continuada. Também trabalhamos na direção de que essas diretrizes vão chegar realmente nas escolas e possam ser apropriadas, criticadas, mas fundamentalmente conhecidas e articuladas dentro do Projeto Pedagógico das escolas. Eu acho que essa é uma oportunidade ímpar, vocês aqui sabem disso, que representam redes e universidades, que é uma oportunidade interessante num programa que tem um vulto desses com todas as dificuldades operacionais que assim o tem.

E, por fim, nesse início eu diria o seguinte: eu entendo que nosso maior desafio não esteja na questão conceitual e nem operacional; honestamente ela está no campo da nossa vontade, porque já fizemos tanta coisa, estamos tão desgastados, às vezes, que buscar uma força no fundo de nós para ainda enfrentarmos uma situação que, muitas vezes, não é tão clara para todos é a grande questão. Precisamos apostar que é possível que as universidades dialoguem com as secretarias e a intermediação com o MEC que formam essa composição. Acho que isso, com todas as diferenças, com respeito à Yvelise, fiquei muito feliz quando ela disse que temos que partir do que as pessoas são, do que sabem, do que fizeram, o que fazem; não temos que inventar nada de tão extraordinário, temos que ser capazes na nossa vontade e estar próximos na causa e nos organizar.

Eu tinha uma dúvida com a palavra currículo e, talvez, isso seja até um pouco de castigo por ser diretor de currículo. E o nome era bonito: Concepções e Orientações Curriculares da Educação Básica. Uma coisa que eu aprendi e quis trazer um pouco aqui: qual é o lugar do currículo? Porque o Brasil desde a década de redemocratização em 85, o Brasil tinha uma dívida tão grande com duas coisas que chamavam muito atenção: uma era a exclusão de muitos, portanto você tinha que universalizar o acesso; e a outra coisa é que você não tinha estrutura para fazer as escolha que você precisava fazer. Então temos que dar um valor necessário às condições para garantir a universalização e garantir, mais tarde, a questão da qualidade na educação brasileira. E a questão do currículo pode também querer dizer o seguinte: “o currículo não serve para nada, precisamos é resolver as condições”. É um discurso que eu diria correto pela realidade brasileira, mas não é suficiente para resolver as nossas questões.

Vou tentar mostrar que o currículo tem um lugar, essa é uma reflexão bacana: para que serve a final de contas as Diretrizes Curriculares? Será que serve para alguma coisa? Será que realmente achamos, no fundo, que DCNEM serve para alguma coisa? Acho que, pelo menos, temos que fazer essa pergunta para ter resposta e a partir dessa: Porque atualizar? Muitos nem conheceram as [Diretrizes] anteriores. Vou dar um testemunho aqui que as pessoas pensam que não conheceram porque, na redemocratização super valorizamos a luta pelo marco legal. Disputar o marco legal só foi possível na redemocratização a partir de 85, e fomos para a disputa.

Então, quero falar porque foram atualizadas as DCNEM e dar um panorama e deixar o problema para o Lima e para a Monica captar. Me pediram e eu vou fazer: a elaboração das diretrizes curriculares; a aprovação delas; e a própria ação. Não existem diretrizes apenas como papel, apesar dessa elaboração é um ato importante. Eu não quero dizer para vocês que quando você produz alguma coisa você articula sujeitos que, às vezes, tem um benefício extraordinário não percebido e a elaboração é uma coisa importante. Essa ideia da apropriação será que chega à escola; como chega na escola? Cada lugar que esse papel vai passando – porque por trás de toda lei há um conceito – ocorrem disputas de conceitos só que vai se tornando uma lei totalmente hibrida, com vários conceitos diferentes. Em cada lugar que essa lei, esse marco referencial, cai, ela é apropriada de forma diferente, cada um entende de forma diferente e vai fazer uma apropriação. Essa apropriação é essencial para discutirmos no campo da Seduc, da academia, das universidades e, fundamentalmente, no campo da escola, da comunidade escolar. A escola não é um ente: é um ente vivo! Tem pessoas, comunidades e têm até estudantes e estes também deveriam conhecer as Diretrizes Curriculares no Brasil.

Então, eu vou trazer e pontuar questões relevantes que as diretrizes enfrentaram. Hoje, por exemplo, estamos com medo do Congresso Nacional – quero deixar esse registro – porque eles estão se reunindo para fazer formulações do ensino médio brasileiro como se pudessem salvar a nossa vida, a vida dos nossos meninos. E, hoje, eles discutem inclusive os valores fundamentais que a LDB garantiu ao ensino médio como uma etapa da educação básica numa época em que reconhecemos a exclusão, reconheceu que não bastava o acesso, era preciso dar qualidade ao ensino médio. [o Projeto] fundamentalmente, trás a ideia de que o ensino médio é uma etapa desinteressada. Mas eu quero confessar aqui, publicamente, que toda vez que alguém me pergunta “mas para que serve mesmo o ensino médio?” essa pergunta – que deve doer em cada um -, e que o aluno gosta de fazê-la, porque nós os ensinamos a perguntar; essa visão utilitarista “para que serve o ensino médio?”, esqueceu que o ensino médio é educação básica. Ele serve para formar pessoas numa fase de vida e não, necessariamente, para algum lugar; ele tem uma explicação em si mesmo. Esse é um conceito da LDB e tem muita gente querendo tirar isso. Vocês sabem que isso é um fato no Congresso Nacional e tem gente que acha que o ensino médio não é parte da educação básica, que é um direito de todos. Então, isso é uma coisa interessante para entendermos, esse caráter formativo e o que está na lei é aquilo que define o ensino médio. Ele [o ensino médio] não precisa ser definido para o futuro dele, para quem sai dele, ele tem que ser definido em si mesmo e, então, cai nessa esparrela do propedêutico e da formação profissional sem perceber que se entendêssemos o ensino médio e a educação não faríamos essa pergunta.

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O currículo sempre me pareceu uma ideia de confinamento, me desculpem, mas o currículo me lembra um pouco curral. Curiosamente, o pessoal da educação infantil reagiu tremendamente quando fizemos as Diretrizes Curriculares da Educação Infantil e aquilo me retomou muito fortemente “porque que eles reagem tanto a essa palavra currículo?” Eles detestam a palavra currículo, acham que o currículo não cabe à educação infantil e nas Diretrizes da Educação Infantil introduzimos isso.

Então, eu fui à origem da palavra [currículo] que em latim gerou duas palavras: o currículo e o curral. Ambas vêm da mesma origem. O curral eu inventei e vocês não vão encontrar em dicionário essa ideia de curral como “corrida de animais em lugar cercado”: porque vem dessa palavra? Porque a ideia é de que você cercava os animais e eles iam para o cercado na corrida também; e o currículo vem nessa área de correr, percurso, mas, de qualquer jeito, você pode ter uma visão positiva do currículo e uma mais restrita, esse embate ainda existe. Essa disputa por significados do currículo foi uma grande preocupação porque estamos disputando um significado de currículo. E nesse significado uma coisa não exclui a outra, mas uma chama muito atenção porque tem uma tendência de querer prescrever: uma autoridade qualquer vai prescrever o que é bom para as pessoas fazerem num determinado lugar educativo; e, o outro, uma visão mais ampla que dialoga com essa, é uma visão mais da experiência real que está no ato educativo.

Eu comecei então a fazer um levantamento da definição de currículo de vários educadores, e, nós temos aqui vários conceitos interessantes de currículo que articulam as duas disputas de significados, as duas estão implicadas uma na outra, elas não são excludentes. E as DCNEM de 2012 vão assumir um conceito de currículo, vão articular esses conceitos. Acredito que vale apena trabalhar em cima daquilo que as diretrizes estão propondo como conceito de currículo e, evidentemente, o currículo é entendido historicamente e, também, geograficamente acumulado.  Mas, na essência da questão, o Antônio Flávio, que ajudou nas DCNEM, é um dos pensadores que estava próximo do MEC na época da formulação, ele me falou uma coisa que é central: é claro que o currículo não resolve o nosso problema, do mesmo jeito que o coração da gente não resolve todos os problemas, mas que é o coração é. Não adiante eu querer todas as condições da escola se eu não tiver o currículo. Para mim, o currículo é o objeto da educação e ele é aquilo que não adianta você querer ir para um lugar – com todas as condições – sem saber para onde você vai e o que vai fazer. Então, o currículo, apesar de não garantir – e a nossa luta política é financiamento, entre outros, é verdade –  mas, se a educação não pensar no currículo me parece que estamos desprezando, talvez, a coisa mais importante do ato educativo, no meu ponto de vista.

Nesse sentido, onde fica o currículo? A minha visão geral é de que, claro, num país que excluiu milhares de pessoa da educação básica, num país que não consegue decidir corretamente o investimento que tem que fazer na educação – é uma briga! – e o econômico passa a ser a nossa referência: a falta de escola, dinheiro, as condições dos professores. Você tem uma dimensão econômica e política que passa a ser essencial, para nós, o que é fundamental, no país dessa dimensão. Entretanto, na realidade, a questão central da educação está no pedagógico. Veiga Neto vai complicar a nossa cabeça quando ele diz que avaliação e metodologia de ensino também é currículo. Racionalmente separamos currículo, avaliação e metodologia de ensino e o indivíduo vai confundir, porque será que na avaliação que fazemos esta também não é um currículo, o currículo enquanto conceito.

Temos várias questões aqui que foram citadas e eu queria apenas dialogar as diretrizes com essas dimensões. A política pública da educação ganhou uma relevância no Brasil e ela está em três pilares fundamentais que não são excludentes, mas são diferentes e demandam de políticas diferenciadas. Todos sabem que o Brasil não universalizou a educação, como a maioria dos países do mundo. Achamos que universalizamos o ensino fundamental, o que é mentira, pois temos 600 mil crianças de 07 a 14 anos fora da escola. Então, 600 mil é um país, está certo? Evidentemente existe essa luta continua da universalização, do dinheiro para fazer isso. Agora a discussão da qualidade da educação ganha outro relevo que vai dialogar inclusive com a avaliação, por mais que critiquemos a super valorização da avaliação, esta deveria estar associada a essa dimensão da qualidade.

Vou tentar fazer uma síntese e deixar os elementos que eu vim propor para vocês. Primeiro, o Conselho Nacional de Educação que define toda diretriz curricular, que é uma prerrogativa do Conselho Nacional de Educação. Entretanto a  lei diz que o MEC formula e o Conselho vai discutir e vai aprovar, tendo o formato de um Parecer e de uma Resolução. Tinham muitos educadores no Brasil que achavam que o que valia a pena era só o Parecer que nem era lido, mas por ser muito extenso – oitenta, noventa, cem páginas. A maioria das pessoas pulam direto para as resoluções que são mais normativas, mas é no Parecer que aparece a debate central na disputa conceitual daquilo que entendemos do processo educativo.

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Por que então atualizar a diretrizes? Na década de 1990 é que foram feitas, rapidamente, todas as diretrizes começando no ensino médio, curiosamente, e chegando à educação infantil num processo inverso. Em dezessete anos da LDB, em um país em que se criam leis todos os dias – e hoje deve estar sendo criada outra e sendo homologada nesse instante -, temos várias alterações da lei e esse é o perigo. A LDB já foi mudada, no melhor juízo, em torno de vinte vezes com alterações que estão relacionadas ao currículo, sendo que as próprias DCNs (Diretrizes Curriculares Nacionais) de 1998, são uma previsão de renovação, elas têm um prazo e uma diretriz se sustenta por muito tempo.

Essa política de estado refere-se ao seguinte: quando formula-se uma diretriz e a reatualiza, você oferece uma dimensão maior do que simplesmente um governo. Elas [as DCNEM atuais] vão enfrentar questões conflitantes em relação às DCN anteriores com concepção de educação e de sociedade, e temos que compreender que embate é esse; temos que ter tranquilidade em dizer que não estamos começando do zero. O Brasil teve embate em todas as legislações brasileiras, teve embate de concepção ganhando uma parte e perdendo outra. Outro ponto importante, e acho que esse seminário é uma parte disso, é ampliar essa legitimidade de forma com que as pessoas se apropriem dela, pois, sem isso, ela perde todo o sentido.

Não se criaram diretrizes a partir do nada. Muitas pessoas criticam as diretrizes porque elas vão listar um apanhado de coisas para fazer, entretanto,  foi a própria lei brasileira que criou coisas para que o ensino médio fosse obrigado a fazer. Não dá para entender as DCNEM se não entender o contexto de uma agenda que está dialogando com ela e com milhares de problemas e contradições. São eles: a discussão sobre a obrigatoriedade que, na minha visão, ela não é bem entendida; essa ideia de novo ENEM: como você vai discutir o ensino médio sem discutir o ENEM? Na verdade o ENEM, com sete milhões de pessoas inscritas e cerca de cinco milhões compareceram e, mais do que isso, essa política de querer colocar o ENEM com obrigatório, não dá para discutir, esse é um cenário que está posto; a política nacional de formação dos professores; o Plano Nacional de Educação é um vexame. Só estão faltando seis anos para que comecemos a fazer o outro. Não estou querendo fazer critica só estou dizendo que no Plano Nacional existe uma agenda com metas para o ensino médio. Ainda, a ideia de custo aluno é importante também, pois falar em qualidade e não saber o quanto isso custa. E, também, o Programa Ensino Médio Inovador é uma estratégia, um programa para incentivar algumas coisas que dialogam com as diretrizes e, com isso, tem um potencial importante para avançarmos. E tem essa sombra aqui do PRONATEC, vamos ser realistas, que diz que é uma política do ensino médio. Tem pessoas que acreditam que se profissionalizarmos todos os jovens do Brasil resolve o nosso problema.

Quem é que dá palpite para o currículo? São tantas pessoas e eu fico impressionado como conseguimos entender tanta coisa. Em âmbito nacional, as instâncias que interferem na formulação de currículos: o Congresso, que faz duas comissões; o próprio MEC gosta de dar uns palpites, mas sem fazer leis, induzindo o currículo; o Conselho Nacional, que não cria leis, mas regula e a regulação implica em muitas coisas; a esfera Estadual e, por fim, a escola onde caem sobre ela quinhentas mil coisas. As SEDUCs, então, tem que gerir essa rede em que  aparecem coisas novas e, assim, não existe no Brasil alguém que conhece as leis educacionais de ponta a ponta e esse cenário é ruim. Algumas pessoas podem discordar dos conceitos que estão por trás, mas tem uma estrutura que o governo mais recente resolveu assumir que foi de atualizá-las e assim o fez.

A elaboração dessas diretrizes começou com uma comissão no Conselho Nacional apesar de, desde 2007, estar pautada no Conselho e no MEC, mas ela vai se efetivar gradativamente tanto que só foram aprovadas, em 2009, da educação infantil; em 2010 do ensino fundamental, e, aqui, surgiu a comissão que trabalhou com isso. O MEC é obrigado a fazer um documento e isso não sai somente do Conselho Nacional que é um órgão assessor do MEC. O documento preliminar encaminhado pela SEB, em agosto de 2010, começou uma interlocução que articulou muitos atores através de uma audiência pública, em outubro de 2010, a qual teve mais de 200 participantes em uma elaboração conjunta a partir de todas as contribuições que vieram pesquisadores da ANPED, do Fórum do Ensino Médio. Tínhamos feito uma estratégia de encaminhar isso para todas as escolas, mas isso é difícil e, seria uma loucura para o relator. De qualquer jeito ela foi aprovada em 2012 e homologada no último ato de Fernando Haddad, em fevereiro de 2012. Hoje nós estamos tentando essa divulgação e apropriação das diretrizes.

Ainda, um dos documentos de referência para a SEB, elaborado por membros da SETEC, foi referência para a formulação do documento que foi encaminho em 2010, no caso o documento preliminar das DCNEM.

Concluindo, a questão que eu considero relevante, e que as diretrizes enfrentaram, refere-se primeiro à questão de que estas vão fortalecer a finalidade formativa e vão trabalhar com a centralidade dos diversos sujeitos do ensino médio e isso é novo apesar da anterior mencionar sujeitos. As atuais, entretanto, tentam articular com todos os sujeitos do ensino médio. Segundo, retirou-se a ideia de competência como organizadora do currículo e fez isso não porque essas Diretrizes queiram [formar] pessoas incompetentes, mas era uma orientação geral que podíamos enfrentar aqui no Conselho. Terceiro, não existem mais tecnologias sendo trabalhadas nas áreas do conhecimento (ciências e naturezas e suas tecnologias, por exemplo). Considera-se que a tecnologia é uma articuladora de todo o currículo do ensino médio. Porém o ENEM ainda continua trabalhando com áreas do conhecimento e suas tecnologias, mas isso foi superado já que do ponto de vista das áreas do conhecimento, ela não se articula de forma utilitarista com a tecnologia direta na área, pois a tecnologia articulou todo o campo, numa dimensão de todo o ensino médio e não estando associada só com as áreas daquela forma que foi posta em 1998. Finalizando, a ideia de projetos integradores: se é integrador ele não pode ser complementar àquilo que acontece na escola e as diretrizes vão tentar trabalhar com isso, superando, na verdade, essa ideia do campo disciplinar, mesmo que fundamental, mas que pode ser avançado com a ideia da integração com vista à superação da fragmentação. Também, a revalorização do projeto pedagógico em que sua discussão ainda é um fetiche no Brasil. E a novidade são essas dimensões constituintes do ensino médio: trabalho, ciência, tecnologia e cultura.

Independente das divergências de conceitos não temos como fugir. Enfrentar as diretrizes significa repensar um projeto educacional, pensar o que o currículo faz, como chegamos na escola e a organizamos nessa perspectiva. Então quero dizer da importância da academia, a universidade, estar aqui presente com a Seduc e esse é um diálogo super fértil, se tivermos vontade, tolerância, podemos construir um cenário que ainda o Brasil não construiu. Obrigado!

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José Fernandes de Lima: Boa tarde a todas e todos! Quero parabenizar a equipe do Ministério da Educação, a Diretoria de Currículos por essa iniciativa, e parabenizar todos vocês que tiveram essa disposição de se deslocar de várias regiões do Brasil, porque eu considero que estamos realmente em um processo muito importante de transformação da educação nacional e precisamos gastar um pouco do tempo refletindo sobre isso, adquirindo experiência no sentido que é mais amplo, mais correto.

Eu tinha um colega que dizia o seguinte: “Eu tenho muita experiência, eu já estou trabalhando há quarenta e tantos anos!”. Mas  acho que não é bem assim que deveríamos contar a experiência, pois deveríamos contar a experiência com o tempo que você reflete sobre a sua prática. Se você começa a trabalhar desde o primeiro dia e nunca parar para ver o que você está fazendo pode ser que daqui a quarenta anos você chegue sem nenhuma experiência. Então, nesse tipo de trabalho, quando conversamos e dialogamos com outros colegas, acabamos gerando muito mais experiência do que quando ficamos repetindo e falando com as mesmas pessoas.

Estamos vivendo um processo muito interessante e precisamos gastar um tempo para fazer essa discussão, porque estamos em um processo revolucionário de transformação: estamos migrando de uma educação que tem um rótulo de excludente para uma educação para todos e estou convencido de que estamos fazendo uma mudança.

Eu estava vendo no jornal de São Paulo ontem [30/10/2013]  em que mostravam os resultados do INEP de 2002 para 2012: passamos de 3,5 milhões de estudantes nas universidades para 7 milhões, ou seja duplicamos o número de estudantes nas universidades. Fizemos, em uma década, um acréscimo de 5 milhões de estudantes no ensino médio – de 3,8 milhões para 8,3 milhões -, e isso é a população de alguns países. Mas isso não é o suficiente e é por isso que estamos aqui, pois ainda há o que fazer.

Essa ideia de passar de uma educação excludente para uma educação para todos, eu diria, que ela já é vencedora, no geral, no atacado, mas ela ainda não é vencedora no varejo. Ainda temos reações e essas reações são encontradas quando se começa a fazer a discussão e todo mundo diz que temos que fazer educação para todos, mas quando questionado o indivíduo diz assim: “Mas no meu tempo era muito bom, porque, no meu tempo não deixávamos esses malandros entrar. No meu tempo, se não se enquadrasse, a gente expulsava. No meu tempo tinha exame de admissão.” Quando você lembra disso é porque você teve uma recaída, não é verdade? Você é um defensor da educação para todos, mas não admite determinadas pessoas e aí existe uma contradição. Esse processo ainda não foi vencido, então, quando eu digo que estamos em um processo de transformação é exatamente esse: por um lado, às vezes, na prática até avançamos, mas na questão teórica estamos precisando discutir e precisamos estar repetindo isso para nós mesmos. A vigilância deve ser geral e eu não me excluo dessa possibilidade até porque muitos de nós participamos desses processos competitivos do qual fui beneficiado pois, por algum motivo, eu já nasci adaptado a esse tipo de coisa e nem percebi que meus colegas estavam ficando para trás.

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Quando eu assumi no Conselho Nacional de Educação, em 2008, no primeiro mandato, os colegas me colocaram para falar em nome dos outros que estavam chegando lá, e, me lembro que uma das coisas que eu disse foi “vou tentar contribuir para que aconteça menos com essas crianças o que aconteceu com os meus colegas de infância que eu fui vendo ficar para trás e eles não eram menos inteligentes do que eu, necessariamente, eles foram ficando para trás por algum motivo.” Já estamos convencidos de que não podemos construir uma sociedade com base na exclusão deixando as pessoas de fora, até por uma questão econômica, uma questão de competitividade entre os países.

Do ponto de vista dessa discussão mais teórica, essa revisão, que foi feita nos últimos tempos das Diretrizes é um sinal muito bom porque realmente essa discussão foi feita com esse pensamento que está colocado tanto na Constituição quanto na LDB e precisamos trazer isso para as Diretrizes. As Diretrizes foram construídas de forma democrática. Lendo as Diretrizes, tento identificar da onde se originou tal informação, de qual debate. Porque, por exemplo, o parecer das Diretrizes do Ensino Médio, fomos recebendo contribuições, que ora vinham Documentos do Ministério da Educação, da Anped, documentos do Fórum de Ensino Médio e assim por diante. Eu cheguei a ficar com o Parecer com mais de cem páginas que, depois, eu fui diminuindo até próximo de cinquenta páginas, mas que ainda está grande, eu acho, porque muitos não o leram.

Essas Diretrizes tem que ser lidas porque ela não fala só do Ensino Médio, elas falam de como construir uma agenda para a Educação. Foi assim que começamos no Ensino Médio enquanto um direito, e, se é assim, iremos organizar o sistema para ele poder dar conta disso. Vamos fazer um exercício aqui: suponham que precisamos organizar nossa agenda de educação e, para isso, tenha que começar do zero respondendo três perguntas “Para quem eu quero a educação? Para que eu quero educação? E depois, como é que eu vou fazer essa educação?” Então eu diria que, nesse caso, as DCNEM, para quem? Como sendo para todos, tendo o Ensino Médio como um direito. Essas Diretrizes foram influenciadas pelas discussões da CONAE de 2010 e pela discussão da Emenda Constitucional 59 que ampliou a obrigatoriedade desde os quatro anos até os dezessete. Quando começamos a colocar o Ensino Médio como obrigatório e aparece como sendo um direito; para que: nós também fomos buscar na Constituição e na LDB, pois queremos um Ensino Médio que forneça condições básicas para o trabalho, mas também para a cidadania e para a vida. E aí o conectivo “e” é muito claro: o trabalho e para a cidadania e para a vida; não é “ou”. Essa é uma decisão política e essa discussão foi colocada na Constituição e na LDB e reforçamos isso nas Diretrizes. Então, tem algo que pode ser polêmico, mas que temos que insistir, não defendendo um Ensino Médio para o trabalho, ou só para continuar os estudos, é para a vida de um modo geral. Portanto, não cabe um Ensino Médio que só forme para uma coisa e não forme para outra. E porque fizemos isso? Por que essa experiência já foi feita, essa semana está passando no Senado uma proposta que orienta a fazer “Ensinos Médios” dividindo a partir dos quatro agrupamentos de acordo com as áreas do conhecimento: um que só trabalhe com a Matemática e Ciências da Natureza e outro que só estude Ciências Humanas e Linguagem. Eles estão propondo isso, mas já tivemos isso algumas vezes. Mas o que eu estou querendo dizer é que isto é uma decisão política e que está colocada e, é claro, que nem todas as pessoas concordam, mas eu quero dizer que quando dizemos que é um “e”, nós estamos dizendo que estamos agindo de acordo com o que está na Constituição, de acordo com o que está na LDB.

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E para fazer isso? Nós também colocamos nas Diretrizes dizendo que iremos organizar o sistema, organizar o tempo e o espaço educativo e é nesse sentido de não dividir as coisas.  Não é só consertar ou melhorar o uso do espaço em si, mas melhorar a forma do tempo, da utilização do tempo que pode ser pensado em ampliação, pode ser pensado em distribuição, mas, sobretudo temos que tratar de assuntos que sejam contemporâneos e que sejam do interesse das pessoas que estão nas juventudes que irão frequentar esse Ensino Médio, porque também, nesse debate, ficamos convencidos de que é importante que os alunos do Ensino Médio sintam que aquilo que eles estão trabalhando ali guarda alguma relação com a vida deles.

Em resumo, o Ensino Médio é um direito de todos e, sendo um direito de todos, tem que se trabalhar considerando que são pessoas diferentes, com interesses diferentes; tem que preparar para a vida e cidadania; ter em mente aquilo que está colocado para a educação como um todo que é para contribuir para a diminuição das desigualdades, contribuir para criação de uma nação mais justa como trás a Constituição. Mas o nosso Ensino Médio é único e, se ele é único, ele tem que ser flexível, porque se for muito rígido não cabe nas juventudes e nas diferentes regiões, e, ainda, para ser flexível é preciso apostar na capacidade das escolas, na capacidade dos sistemas e, aqui, as Secretarias de Educação precisam compreender bem isso: temos que apostar no projeto político pedagógico da escola.

Portanto, eu torço e fico muito feliz porque esse trabalho que está tendo continuidade agora é um trabalho que vai fazer com que as Diretrizes realmente possam chegar às escolas e porque o próximo passo é fazer com que os professores e as escolas se apropriem dessas ideias. Precisamos tomar cuidado porque se apropriar das ideias não significa exatamente o que queremos, em quem é que a gente acredita, quais são os nossos valores, é necessário que tomemos cuidado com as nossas crenças porque nossas crenças afetam nossos pensamentos e pensamentos afetam as nossas palavras que, consequentemente, afeta o nosso comportamento e, depois, acaba afetando nossos valores mais adiante. Temos que discutir isso para ver se as pessoas, nas escolas, se apropriam principalmente dessa ideia de que nós precisamos construir, precisamos reforçar e precisamos consolidar uma educação que seja para todos os brasileiros.

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Monica Ribeiro: Boa Tarde! Afinal de contas, o que propõem essas DCNEM em termos de organização pedagógica, de currículo; que desafios elas estão nos colocando já que tem um elemento – que o Artexes falou e que o Professor Lima reiterou – que é qual sentido do texto normativo se ele não ganhar materialidade nas práticas, nas experiências etc., sendo que é disso que se trata essa nossa discussão e pensarmos um pouco como essas Diretrizes ganham, de fato, o debate no interior da escola, se induzem os professores a pensar e refletir sobre esse Ensino Médio, sobre esses sujeitos que lá estão, para que, de fato, possamos pensar o Ensino Médio para todos nesse país.

Eu preparei um percurso, mas eu vou falar muito rapidamente, no início, para podermos conversar um pouco mais sobre as Diretrizes, o texto, as propostas propriamente ditas. Que elementos eu entendo necessário para que possamos reconhecer a importância das atuais Diretrizes Nacionais do Ensino Médio? São elementos que vem de questões históricas e do contexto atual do Ensino Médio brasileiro; são elementos da natureza da oferta e da demanda do Ensino Médio; são elementos que advém dos sujeitos a quem o Ensino Médio se destina; são elementos referentes aos nossos professores – quem são os professores que dialogam com o Ensino Médio -; tem elementos diretamente do modelo escolar estruturado ao longo do tempo na cultura da escola; e tem elemento relacionado com os desafios do nosso tempo.

Com relação às questões históricas eu lembraria do grande debate que fazemos há bastante tempo, já que diz respeito a identidade ou a ausência de identidade do Ensino Médio, e aqui entra, desde a discussão de quando o nosso Ensino Médio adquire uma característica de atingir um número maior de pessoas. Não vamos nos esquecer da década de 1940, quando essa identidade era claramente marcada pelo texto do Capanema, dirigido ao nosso Presidente da época, Vargas, em que ele diz que o ensino médio se destina às elites condutoras desse país, para os demais teremos o ensino técnico profissional. As atuais Diretrizes vão à contramão dessa proposição ao pensar o Ensino Médio para todos com identidade unitária e, por isso que, se fala em formação humana integral.

Outro elemento da história, numa perspectiva de trajetória, com itinerários formativos distintos para aqueles que iriam prosseguir os estudos e para aqueles que iriam assumir as funções no mercado de trabalho já na juventude. E, aqui, nós temos, o que acabou se estruturando, no debate brasileiro, como dualidade no âmbito da legislação, mas de uma dualidade que se fez na verdade na materialidade das relações sociais, em que meninos da classe média – e classe média alta – conseguiam prosseguir nos estudos e, os demais, iriam fazer uma função mais imediata e técnica para o mercado de trabalho. O debate da dualidade não está superado, no meu entendimento, em que pese hoje em não dar conta de todas as polêmicas e desafios que temos no âmbito do Ensino Médio.

Outro elemento dentro desse breve histórico refere-se ao frágil acesso à Educação Superior no nosso país. Não podemos nos esquecer que, no início dos anos de 1990, nos tínhamos 5% dos concluintes do Ensino Médio adentrando nos espaços da universidade, ainda hoje ele é extremamente limitado e isto marca decididamente a trajetória dos percursos que vão se fazendo no interior do Ensino Médio brasileiro. E, um outro elemento, que é alvo também das atuais Diretrizes quando ela dialoga inclusive com a formação profissional de nível médio ao pensar e escrever em seu texto que essas Diretrizes se aplicam a todas as formas de oferta do Ensino Médio inclusive na oferta de Educação Profissional. Desafios históricos que estão no interior desse debate das Diretrizes Curriculares porque a leitura do texto nos mostra que não se trata apenas de Diretrizes para o currículo, mas para o projeto de formação no âmbito Ensino Médio e é um projeto de formação que tem que vencer. Por exemplo, o desafio da universalização do acesso, permanência de todos os jovens brasileiros de 15 a 17 anos que ainda não estão no Ensino Médio e os que lá estão, são desafios que tem que pensar também o Ensino Médio para aqueles que estão acima da faixa etária de 18 anos, são desafios que buscam consolidar a identidade e a organização curricular pedagógica dessa etapa da educação básica.

Outro elemento definidor do debate das Diretrizes refere-se à situação educacional da juventude: apenas para pensarmos que temos ainda um contingente expressivo de jovens analfabetos em nosso país, e isso é aterrorizante. Dos que frequentam a escola, temos que pensar numa estrutura curricular, as formas de financiamento, a formação de professores e, obviamente, tudo isso está dialogando com essas DCNEM.

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Trouxe, também, outro aspecto para pensarmos a respeito das Diretrizes que é o que está hoje na agenda governamental e que permite que essas Diretrizes de fato se operacionalizem e um aspecto fundamental é o financiamento. Jamais asseguraremos escola de qualidade para todos sem pensarmos como é que se financia uma escola para 10,5 milhões de pessoas com qualidade. A ampliação, portanto, a obrigatoriedade escolar, uma política nacional de formação de professores – inicial e continuada -, uma política de trabalho docente que permita assegurar as condições de trabalho e de dedicação exclusiva aos espaços da escola para os nossos professores; elementos que estão hoje em andamento nos textos orientadores no Programa do Ensino Médio Inovador, porque uma coisa é o que se propõe e outra é a que se materializa nas escolas e, como não poderia deixar de ser, temos várias experiências do Programa Ensino Médio Inovador em andamento. As metas do novo PNE de pelo menos 85% dos jovens de 15 a 17 anos na escola em 2016, e 2016 está batendo a nossa porta.

Outro elemento que temos é presente como elemento, no meu entendimento, que defina essas Diretrizes, os sujeitos para quem o Ensino Médio se destina. Pensar o Ensino Médio para todos no Brasil implica em pensar o Ensino Médio que, de fato, acolha a todos que tem direito ao Ensino Médio hoje. Isso significa romper com alguns elementos que estavam dados ao longo da nossa história pois, uma coisa é pensar numa organização curricular com Ensino Médio para poucos, outra coisa é acolher no Ensino Médio essa gama de meninos e meninas de 15 anos ou mais e que tem diferentes necessidades e demandas formativas. Não quero usar o jargão da diversidade, pois é muito mais do que isso, quando falamos em diversidade, me parece que o que é fundamental se torna acessório. Na verdade não é a diversidade, esses sujeitos são o que são, basta que a gente olhe e os reconheça. Se olharmos o texto do Parecer vamos ver que tem uma discussão a respeito dos jovens que estão batendo nas nossas escolas e ali estão as nossas perguntas: O que é ser jovem no inicio do século XXI? Que sentido os jovens atribuem a escola no mundo de hoje? Eu gosto de uma fala do Carrano que diz que, às vezes, vamos para o baile novo com a roupa velha, e essas Diretrizes não fazem isso. Entendo que elas buscam pensar a escola a partir da roupa necessária, porque estamos vivendo num outro momento que, portanto, por mais difícil que seja, temos que vestir velhas roupas de um Ensino Médio para poucos, de um Ensino Médio que se configurou como ante sala do Ensino Superior, de um Ensino Médio que aceitava sua lógica no conteúdo e na exclusão para um Ensino Médio que pensa o conhecimento a partir da experiência vivida, que pensa o conhecimento a partir dos desafios desse mundo e que pensa o conhecimento, principalmente, a partir do diálogo com os sujeitos que estão na escola, e, este elemento, para o meu entendimento, é fundamental e contemplado nas atuais Diretrizes, basta olharmos para o Parecer 5 de 2011.

Outro elemento fundamental ao falarmos de sujeitos no Ensino Médio implica em falarmos também em qual professor para o Ensino Médio e isso reflete não apenas um motivo principal desse Seminário que é pensar o diálogo dos professores que estão na escola com as atuais Diretrizes, mas pensarmos também os futuros professores que estarão nas nossas escolas. As nossas licenciaturas não contemplam o mínimo de estudos necessários sobre os jovens que estão na escola, as nossas licenciaturas nem sequer perguntam qual o conhecimento hoje.

Quando aqueles meninos faziam um carinho no nosso ego para poder marcar o que seria esse Seminário me veio uma única pergunta entre a razão e a sensibilidade da Jaqueline: por que o ENEM não avalia isso? Por que nas provas que são valorizadas os elementos da ética da estética da sensibilidade? E isso nos coloca de novo nos diálogos com as Diretrizes, porque as Diretrizes, ao contrário desse racionalismo que pensa quanto mais matemática melhor e suficiente, ele pensa o conjunto do conhecimento a partir da sua integralidade, a partir daquilo que é indissociável no conhecimento que é o poder de explicar aquilo que a vida nos coloca como desafio e necessidade de explicação.  Por essa razão penso em um elemento fundamental para sairmos daqui sentindo o desafio de pensar qual formação inicial, também, para os futuros professores do Ensino Médio, senão teríamos que perpassar décadas e décadas pensando a formação continuada. Eu dou aula na licenciatura e sei muito bem, todos nós, muitos aqui são professores da licenciatura, e nós sabemos o que é priorizado, algum conteúdo e um pouco da didática e mais nada. Isso não prepara o professor e sabemos muito bem que não prepara. Qual currículo? Aqui é apenas uma provocação, às vezes olhamos, e eu gostei bastante da imagem do Artexes quando ele associou o currículo e curral porque, às vezes, nos esquecemos de que temos que perguntar sim qual conhecimento, porque, a cultura escolar, foi consolidando certos conteúdos e eu não quero nem usar esse termo e, às vezes, fica difícil se pensarmos, mas não serão outros conhecimentos, não serão outras lógicas de organização desse conhecimento, será que de fato é a ciência que é central e é por isso que o ENEM avalia? Ou podemos pensar outra perspectiva que não descarta a ciência, mas que agrega a ela o próprio sentido que a ciência deve ter. Não os formalismos para poder ter uma prova, mas recuperar a potencialidade explicativa do conhecimento humano e para isso que a gente produz conhecimento e não para outra coisa. Não vejo sentido em qualquer perspectiva de conhecimento escolar que não tenha aquilo que foi chamado, num belíssimo texto de 2007, “nós temos que resgatar na escola o ‘conhecimento poderoso'” e eu interpreto conhecimento poderoso como aquele que empodera as pessoas como que no sentido da autonomia intelectual, no sentido da autonomia moral, no sentido das disputas por um projeto de sociedade  – que não é esse que está aí pode ter certeza -, não é para os jovens que estão na escola pública do Ensino Médio.

Entendo que o CNE acertadamente faz uma interlocução e começa a pensar novas Diretrizes primeiro pelo reconhecimento dos limites das Diretrizes anteriores especialmente as do Ensino Médio: aquelas Diretrizes pensadas em termos de competências e habilidades que em nada dialogava com a nossa cultura escolar e que, ainda por cima, define competência a partir do mercado de trabalho. De fato, tínhamos que dizer que esse Ensino Médio não é para todos no Brasil. Esse Ensino Médio responde a um único projeto de Ensino Médio no país que não inclui todas as pessoas, por isso os limites.

Podemos conversar mais sobre isso, porém, eu quero marcar que uma das necessidades veio justamente do reconhecimento de uma origem estranha à nossa escola e, a prova disso, é o fato que essas Diretrizes se quer são conhecidas dos nossos professores, quando muitos parâmetros curriculares são porque chegaram com força no interior da escola e, por várias razões, levando uma outra definição de competência e habilidade que não aquelas que estavam nas Diretrizes propriamente ditas. Outra razão, portanto é a aderência ou incorporação apenas formal: eu fui para as escolas perguntar para os professores o que sobrou, afinal de contas, da política curricular por competência e habilidades e, a resposta, foi que quase 90% deles incorporaram o texto, mas que, as práticas, continuaram praticamente as mesmas. Fica o exemplo de como houve uma aderência meramente formal daquela política curricular anterior.

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As proposições das novas DCNEM relacionam-se primeiro à ideia do princípio educativo do trabalho e, aqui, entendo, com todas as possibilidades possíveis de conceituar e de debatermos, que é o princípio ativo do trabalho, reconhecer que é no fundamento da produção da existência humana, que é a partir dele que nos tornamos seres humanos e, é por essa razão, que o princípio educativo do trabalho está como um elemento fundamental da organização curricular pedagógica do Ensino Médio. Outro aspecto refere-se à pesquisa como principio pedagógico: por mais escolanovista que isso possa parecer – pensar na pesquisa como um princípio pedagógico – tem pelo menos um mérito de não entregar a coisa pronta, de forma a nos organizar nos objetos de estudo e de pesquisa que permitam nos apropriarmos dos métodos de produção do conhecimento. Talvez esse seja o maior desafio e finalidade que essas Diretrizes nos coloca de que não entreguemos o conhecimento, mas vamos pensar juntos, para que esses meninos e meninas, como é que o conhecimento humano é produzido e socializado. Talvez ali consigamos algum passo em direção a autonomia intelectual e moral. O princípio da diversidade: não é uma única escola, mas também não são tantos currículos quantos sujeitos; como é que equacionamos diversidade e projeto unitário de formação? Esse é o elemento central que temos como desafio também, por conta das Diretrizes, a possibilidade de diferentes arranjos curriculares. Também a forma disciplinar, o currículo por disciplina, é a forma hegemônica no país hoje, agora, para isso as Diretrizes nos colocam diante de novas possibilidades de arranjos com relação aos tempos, com relação aos espaços, com relação aos saberes, com relação às experiências que podemos propiciar nesses espaços da escola.

No meu entendimento, as Diretrizes nos colocam diante de outra escola, mas não se faz outra escola a partir de um texto, por mais importante que ele seja, se faz uma outra escola dialogando. No diálogo dos sujeitos que lá estão e esse é o desafio que está aqui para ser pensado junto: a relação entre cuidar e educar, o projeto político pedagógico, os indicativos para a gestão da escola e a formação e trabalho docente estão nos textos das Diretrizes.

Para finalizar, ao contrário dos debates que se vem fazendo na câmera dos deputados, de pensar um currículo a partir do diverso, a partir das ênfases as Diretrizes Curriculares Nacionais propõem um currículo integrado que significa não hierarquizar os mais diferentes campos dos saberes – hoje é hierarquizado e sabemos disso desde o Ensino Fundamental. Quando a professora do Ensino Fundamental organiza seu tempo, ela já organiza 80% é português e matemática 10% ensino das ciências naturais e os outros 10% é para o resto quando dá tempo e, o “resto” é história, geografia, alguma sociologia, a arte entra aqui também, a educação do corpo. As atuais Diretrizes da Educação Básica para o Ensino Fundamental e Médio vão na contramão dessa hierarquização dessas ciências. Não conseguimos formar aquele cidadão que pretendemos sem que ele se localize no seu tempo, na sua história e no seu espaço. Não é com algum ensino de história e com um monte de ensino de matemática que nós conseguimos formar um ser humano por inteiro. Só conseguiremos formar um ser humano por inteiro na medida em que entendemos o ser humano na sua inteireza, nós somos mente, somos corpo, somos emoções e somos sociedade e esse é o elemento que permite falar em formação humana integral, esse é o elemento que estará posto nas nossas Diretrizes.

As Diretrizes pensam essa formação do ser humano por inteiro a partir de quatro dimensões: as dimensões do trabalho, da ciência, da cultura e da tecnologia; com elementos que constituem a formação do ser humano, por isso pensar novos tempos e espaços e saberes. A ideia é se essas Diretrizes trazem um projeto de Ensino Médio que responde aos anseios alunos de escola pública e de seus professores elas têm que ser reconhecidas.

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Sandra Regina de Oliveira GarciaAcho que pela manhã a dinâmica não ficou clara para todo mundo, então eu vou recuperar a dinâmica do trabalho. Nós pensamos hoje em três momentos: o primeiro, a apresentação da proposta que a Professora Jaqueline fez com uma visão geral das questões que o Ministério vem dialogando com o CONSED e, agora, também com as universidades; depois, essa mesa para discutir as Diretrizes e, na sequência, a partir das Diretrizes que foram pensados os temas da primeira etapa da formação, porque tínhamos que começar a trabalhar mesmo antes de poder estar dialogando com todos.

Então, a proposta de hoje é a seguinte: uma primeira mesa, a segunda não abriremos agora para a discussão; vamos para o intervalo e vamos para a terceira mesa e na programação vocês iram ler “Diálogo sobre a proposta de formação de professores” porque não é um diálogo sobre as Diretrizes, não é um diálogo da proposta, não é um diálogo dos temas, é um conjunto de todos esses elementos que foram colocados até agora, são elementos que vão para a discussão do final do dia para podermos começar o trabalho no dia de amanhã.

Quero agradecer muito a participação do Professor Artexes e quero frisar uma coisa nesse processo de discussão sobre as Diretrizes: em 2003 foi feito um Seminário Nacional sobre o Ensino Médio e muitos estiveram presentes. Esse seminário culminou num livro chamado Ensino Médio Ciência, Cultura e Trabalho e, se pegarmos aquele livro, iremos ver que as Diretrizes foram inspiradas muito naquele seminário que contou com a Professora Marise Ramos do Ensino Médio, depois passou a Professora Lucia, depois o Artexes e depois Yvelise. Temos que guardar um pouco da história para saber que  é uma trajetória e as coisas não saem do nada. Acho que tem toda um trajetória de trabalho e discussão.

Quero agradecer ao Professor Lima porque ele sabe da necessidade que temos em fazer essa materialização das Diretrizes do Ensino Médio, e a Professora Monica que brilhantemente também deu esse panorama geral em relação às Diretrizes do Ensino Médio.

Curitiba/PR, 31/10/13.

Assista abaixo os registros integrais em vídeo das falas desta mesa.

[youtube http://www.youtube.com/watch?v=LXi5U6zKAGE&w=710&h=399]

[youtube http://www.youtube.com/watch?v=FlF0CpsUOns&w=710&h=399]

2 Comments

  1. Pingback: Mesa 2: “Os sujeitos do ensino médio e a formação humana integral nas diretrizes curriculares nacionais do ensino médio” – I Seminário Nacional Sobre Formação Continuada de Professores do Ensino Médio – 31/10/13, Curitiba/P

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