por Monica Ribeiro da Silva*
Desde 2004 vem sendo divulgado no Brasil um movimento que se auto intitula “Escola sem Partido”. A pretexto de defender uma educação fundada em uma pretensa “neutralidade”, o movimento, em seu Programa, designa qualquer processo educativo que não esteja baseado nessa premissa como sendo “doutrinação”.
Mas, seria mesmo “sem partido” o “Escola sem Partido”, ou, ao defender o que defende já não estaria o movimento tomando partido?
Vejamos: a par dos pilares “defesa da neutralidade” e “contra a doutrinação” o “Escola sem Partido” se organiza em torno de um modus operandi. Em seu modo de fazer propõe a proibição de determinados assuntos ou abordagens e a punição de professores que não obedeçam a esses princípios e determinações.
Dentre os assuntos privilegiados está o que denomina “ideologia de gênero” e dentre as formas está, em especial, a abordagem das questões sociais, que deveriam ser tratadas de forma neutra e o “mais objetiva possível”. A ausência de objetividade estaria, sobretudo, ao ser feita qualquer menção direta ou indireta a umas das vertentes clássicas da Sociologia, o marxismo. (http://www.programaescolasempartido.org/).
O programa do “Escola sem Partido” pretende instituir nas escolas um conjunto de medidas, como por exemplo um cartaz a ser afixado em cada sala de aula dizendo quais assuntos ou abordagens seriam proibidos e que, em caso do não atendimento, incorreria o/a professor/a em “abuso da liberdade de ensinar” e deveria ser, por essa razão, punido. Para que este processo funcione, o modus operandi se instituiria pela delação por parte de estudantes ou responsáveis aos gestores escolares e/ou dos sistemas de ensino.
E aqui começam os indícios para a resposta à pergunta formulada.
A prática da delação, por si só, é antieducativa, haja vista que incentiva posturas que rompem com a relação de confiança absolutamente fundante da relação pedagógica entre professores/as e estudantes (Frigotto, 2016); como resultado imediato da delação está a institucionalização da perseguição ao/à educador/a que teria infringido a regra; delação e perseguição trazem consigo um terceiro elemento: a intolerância (como por exemplo a que deriva do assunto “ideologia de gênero”), e um quarto: a punição.
Pois bem, ao tomar partido por esses princípios e métodos, o “Escola sem Partido” evidencia que age fazendo aquilo que condena: apregoar “delação”, “perseguição”, “intolerância” e “punição” nada tem de neutro, pelo contrário, tem um compromisso franco e aberto com um dos movimentos mais perversos da história da humanidade: o fascismo. Este é o partido do “Escola sem Partido”.
O partido do “Escola sem Partido” é também o antimarxismo, verdadeira obsessão entre seus adeptos. Derivado dessa postura está a relativização de assuntos como a pobreza e as desigualdades econômicas e sociais, por vezes tratadas como “ideologias” que impediriam o desenvolvimento capitalista. Aqui vale lembrar uma frase atribuída a Max Weber: “neutro é quem já se decidiu pelo mais forte” (Buschbaum, 2004), neste caso, os grandes proprietários e corporações. Este é o partido do “Escola sem Partido”, esta a sua parcialidade.
Resta analisar que tipo de educação poderia resultar desses princípios e práticas. A esse respeito, pela proximidade temática vale recorrer a Theodor W. Adorno, sem dúvida um grande estudioso das relações entre educação e nazismo, versão alemã do fascismo. Para este filósofo, a educação, sobretudo a que ocorre “após Auschwitz”, precisa, necessariamente, conduzir à autonomia intelectual e moral e à autoconsciência dos indivíduos, para que a maior barbárie dentre todas jamais se repita.
Se avaliarmos o potencial objetivo de sobrevivência do nazismo com a gravidade que lhe atribuo, então isto significará inclusive uma limitação da pedagogia do esclarecimento. Quer seja ela psicológica ou sociológica, na prática só atingirá os que se revelarem abertos a ela, que são justamente aqueles que se fecham ao fascismo. (Adorno, 2005).
A adesão aos princípios e práticas propalados pelo “Escola sem Partido” contrariam exatamente o que afirma T. W. Adorno com relação aos fins da educação, a capacidade de crítica às práticas que contrariam a formação humana, para jamais repeti-las. Dentre elas estariam os princípios que geraram e sustentaram o nazi-fascismo, tais como a delação, a perseguição, a intolerância, a punição (com a morte). Por meio da delação, da perseguição, da intolerância e da punição, por meio da parcialidade com que pretende que se mostre a realidade, os princípios e práticas propostos pelo “Escola sem Partido” vão exatamente em sentido oposto e produzirão a interdição da formação para a autonomia intelectual e moral, ou seja, o partido do “Escola sem Partido” gera uma antieducação.
Referências:
ADORNO, Theodor W. O que significa elaborar o passado. In: MAAR, W. Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
BUSCHBAUM, P. Frases Geniais. São Paulo: Ediouro, 2004.
FRIGOTTO, Gaudêncio. “Escola sem Partido”, imposição da mordaça aos educadores. Revista Espaço Acadêmico (on line), 2016.
*Doutora em Educação: História, Política e Ciências Sociais pela PUC/SP. Professora na Universidade Federal do Paraná. Coordenadora e pesquisadora do Observatório do Ensino Médio.
Fotografia: Giorgia Prates
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