A terceira versão do documento Base Nacional Comum Curricular possui um problema em sua forma e conteúdo: os fundamentos que são explicitados no início do documento não se mantêm no momento em que são descritos os objetivos e conhecimentos que seriam abordados nas salas de aulas. Há uma rigidez excessiva na descrição dos critérios e objetivos de conhecimentos a eles correspondentes. Essa rigidez contradiz até mesmo as “competências” que estão definidas no documento. Por exemplo: “Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social e cultural para entender e explicar a realidade” exigiria maior interlocução com as vivências e realidades de cada estudante/escola. Como fazer isso se professores e professoras terão uma lista extremamente rígida para seguir? Além disso, é muito importante lembrar que a organização curricular com base na definição de “competências e habilidades” é uma retomada dos antigos Parâmetros Curriculares Nacionais, da década de 1990, portanto, uma política curricular que o Brasil vivenciou há mais de 20 anos e que causou grande confusão nas escolas, pela desvalorização do conhecimento escolar, que foi substituído pelo “aprender a aprender”.
A BNCC em sua terceira versão traz uma concepção “etapista” do desenvolvimento infantil. Por exemplo, na página 24 do documento, que exemplifica toda a estrutura da Base, quando se busca explicar a composição do código alfanumérico correspondente a cada um dos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento está escrito: “Segundo esse critério, o código EI02TS01 refere-se ao primeiro objetivo de aprendizagem e desenvolvimento proposto no campo de experiências Traços, sons, cores e formas para as crianças de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses”. A imensa bibliografia sobre o tema do desenvolvimento humano já superou essa visão reducionista que “encaixa” as crianças em um comportamento “esperado”, em uma etapa fixa e rígida correspondente à sua idade cronológica. Se pegarmos, por exemplo, até mesmo no espaço restrito de uma sala-de-aula todas as crianças da faixa etária incluída no critério estabelecido pela BNCC veremos que elas não responderão de maneira uniforme ao objetivo esperado, e isso poderá ser interpretado como uma dificuldade pessoal. Essa criança poderá não corresponder ao esperado, sendo mal avaliada por isso. Porém, o problema não está nela, mas sim, na formulação presente na BNCC.
O documento traz uma visão restrita de currículo. A descrição de listas de objetivos é uma retomada do modelo curricular chamado de “tecnicista” e que o Brasil experimentou nos anos 70. Uma listagem supostamente neutra de conhecimentos e tecnicamente organizada. Mas o currículo escolar nada tem de neutro, já que ele é uma seleção a partir de um conjunto de possibilidades. A decisão sobre o que e como ensinar que orienta essa seleção é também uma decisão sobre que tipo de pessoa se pretende formar, sendo mais do que uma decisão técnica, uma decisão de natureza política que a suposta neutralidade esconde. Por essa razão o modelo tecnicista foi amplamente criticado.
Monica Ribeiro da Silva
Link para Base Nacional Comum Curricular (BNCC), 06/04/2017, arquivo PDF.
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