Por Monica Ribeiro da Silva
Em dezembro de 2018, no apagar das luzes do governo de Michel Temer, O Conselho Nacional de Educação aprovou o documento de Base Nacional Comum (BNCC) para o Ensino Médio. No texto constam detalhadas apenas duas disciplinas (Língua Portuguesa e Matemática) de forma a explicitar objetivos e conteúdos. Todas as demais estão propostas em áreas do conhecimento definindo para cada uma área um conjunto de competências genéricas. O anúncio sobre esse formato do documento já havia sido feito em reunião entre o MEC e as Secretarias de Estado da Educação em meados daquele ano. Na ocasião, a Secretária Executiva do Ministério da Educação, Maria Helena Guimarães de Castro, justificou esse encaminhamento com base nas avaliações do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), organizado pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). A prioridade para essas duas disciplinas repete o que já está contido na Lei da reforma do Ensino Médio, em que apenas Língua Portuguesa e Matemática possuem estatuto de obrigatoriedade legal. Essa determinação reduz o currículo do Ensino Médio, bem como a formação do estudantes, a uma dimensão limitada ancorada exclusivamente em critérios de desempenho postos pelas avaliações em larga escala. É um reducionismo que comprova a negligência com uma perspectiva de formação humana integral, de uma formação por inteiro, conforme comportava a expectativa do Ensino Médio como “educação básica”, conceito este que sofre o seu segundo golpe. O primeiro veio junto com a MP 746/26. O segundo, com essa fantasmagórica Base Nacional Comum Curricular.
Quando da elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais na década de 1990, já se perguntava sobre a pertinência de um currículo único para o País. Novamente nos vemos diante dessa pergunta.
Faz sentido uma base nacional curricular comum?
1. Com relação à natureza de um documento de política curricular de abrangência nacional: qual seu grau de prescrição?
– Um documento que traz a determinação de uma listagem de objetivos é altamente prescritivo e carrega uma dimensão regulatória que deixa muito pouco espaço para a autonomia de decisões de instituições e sujeitos, tão caros a uma experiência curricular significativa, rica, formativa.
2. Ao consideramos o conjunto de redes de ensino, com organização própria e autonomia na definição de propostas pedagógicas, seria possível falar em currículo nacional?
– A padronização pelas redes de ensino, que atuam em condições tão desiguais, não aprofundará ainda mais as desigualdades? A lista de objetivos e conteúdos beneficiará quem estiver mais próximo das condições de atingir o “padrão”. Em consequência, as escolas em piores condições (materiais, docentes, etc.), mais distantes de alcançar o referido “padrão” serão ainda mais prejudicadas, e com elas seus alunos e professores?
3. Por fim, como já anunciado, a BNCC servirá de base para realização das avaliações em larga escala. Novamente, isso beneficiará as escolas em melhores condições de se aproximar do que está ali prescrito. Uma das consequências da relação entre BNCC e exames não poderá induzir a políticas de responsabilização das escolas e de seus profissionais. No que isso pode contribuir para a melhoria da qualidade da educação?
O documento de BNCC para o ensino médio traz, ainda, mais um retrocesso quando remonta ao modelo vigente nos Parâmetros e Diretrizes Curriculares Nacionais de finais dos anos 90, que comportava uma visão limitada e restritiva de currículo, incorporada agora nessa base nacional comum como uma listagem de objetivos ou de competências, como se apresentam no texto aprovado.